Há tempos não leio um artigo provocativo como esse de Ted Gioia. Seu argumento básico, colocado de forma clara e limpa, é que a crítica e a chamada boa literatura se alimentam do realismo, enquanto o que continua – "continua" porque assim era por boa parte da história das narrativas – mobilizando as mentes de leitores do mundo todo são obras que devem muito mais ao fantástico e o irreal.
Estou simplificando terrivelmente suas idéia, portanto peço que você se dirija ao texto (em inglês) e leia por você mesmo um conjunto de idéias que pede uma revisão completa do que se considerou bom e ruim no século vinte e junte ao panteão onde repousam experiências de linguagem (bem quistas até hoje, e nada contra) livros considerados popularescos, ruins, pulps, pops e rasos. Gioia não entra na lógica de "bom" e "mau", apenas observa – e ele está inegavelmente certo – que não há dúvidas de onde está o amor dos leitores: na fantasia.
(A propósito, ele lista uma "biografia fantástica" bastante ampla (e, para alguns, herética) que junta Saramago, García-Márquez, Harry Potter e o Crash, de Ballard; delicioso)
Gioia também faz pedaços de nomenclaturas inadequadas como ficção científica, algo que muito me interessa, porque se conecta intimamente com a ideia do que quero que seja meu próximo filme. Nele, vemos um Brasil que se tornou uma potência mundial graças à invenção de uma pílula que garante a imortalidade por vinte anos, mas exige que seus usuários a renovem, ou então enfrentarão uma morte dolorosa. O protagonista do roteiro é precisamente um homem fracassado, na pílula há décadas, que não tem dinheiro para a renovaçnao e, portanto, está marcado para morrer. A trama se desenrola exatamente sobre o que esse homem será capaz de fazer para permanecer vivo.
Agora a pergunta: isso poderia ser chamado de ficção científica? Não, na minha opinião, mas esse tem sido o rótulo usado por muita gente para descrever a ideia. Sempre foi uma forma que me pareceu muito incômoda. Seria o mesmo que chamar, por exemplo, Admirável mundo novo ou Brilho eterno de uma mente sem lembranças de ficção científica.
Gioia toca nesse ponto em seu ensaio: a ciência geralmente é apenas uma forma de saltar para o mundo imaginado, e no mais das vezes é também ela imaginada e falsa. Vou adiante: num mundo moderno, onde não há deuses e forças superiores críveis, há que se apelar à única coisa em que o homem moderno realmente se curva: a ciência. Na verdade, a ciência é apenas um caminho para forçar, arbitratriamente, a verossimiliança da história.
30.4.09
Realismo e artifício
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