29.4.01

O caubói muda o tom em Washington

Bush tropeça no inglês, faz graça com as próprias fraquezas e não quer ser notícia. É o anti-Bill Clinton

(Publicada originalmente no JB)

Desde o início da corrida eleitoral americana, há mais de dois anos, uma das tônicas da campanha de George W. Bush era de que ele queria ''mudar o tom'' da Casa Branca e de Washington. Apesar de a frase se referir mais ao retorno de valores conservadores e morais tão ausentes durante os oito anos de Bill Clinton, Bush sem dúvida inovou em matéria de comportamento presidencial. O novo presidente dos Estados Unidos trabalha menos horas que seu antecessor, fala pouco, quando fala erra na gramática e afirma sem pudores que não é manchetemaníaco. Nada mais diferente que Clinton, que muitas vezes ganhou a pecha de ''presidente superstar'' e parecia estar em todo lugar para falar - discursar? - sobre tudo.

''Queremos ser desinteressantes'', explicou um assessor da Casa Branca, tentando justificar com ironia o afastamento midiático da Casa Branca. Bush tem ficado longe das luzes em momentos cruciais na vida do país. Depois de ter conduzido a crise do avião-espião na China de forma admirável - elogiada pela bancada democrata e criticada apenas pelos republicanos mais linha-dura -, Bush preferiu ficar em seu rancho texano bem longe dos 24 tripulantes do vôo que chegavam a Washington na Páscoa. Uma nota à imprensa foi tudo que se ouviu do presidente. O mesmo ocorreu quando uma revolta racial irrompeu em Cincinnati ou quando o Meio-Oeste do país foi inundado por uma enchente. Com Clinton, todas estas ocasiões certamente serviriam de pretexto para pêsames, discursos de improviso e seu tradicional torcer de lábios.

Oportunismo - O que não quer dizer que Bush não saiba usar a imprensa quando lhe convém. Depois de semanas sendo duramente criticado por suas atitudes antiecológicas, seus assessores montaram uma coletiva nos jardins da Casa Branca para Bush anunciar que assinaria uma medida banindo o uso de alguns produtos químicos tóxicos. Foi o início de uma tentativa de reabilitação ambientalista de sua imagem. O mesmo vale para a data que comemora seus 100 dias no cargo. Em um único dia, Bush concedeu 12 entrevistas exclusivas.

A relação com a mídia vai além disso, contudo. Bush conta com algum charme, e mostrou enorme talento para capitalizar seus próprios defeitos. O mais conhecido deles - seus tropeços gramáticos, conhecidos como bushismos - foi brilhantemente explorado na última semana, num evento destinado a arrecadar fundos para a campanha de alfabetização do instituto dirigido por sua mãe, Barbara. ''Alguns pensam que minha mãe abraçou a causa do analfabetismo por alguma dose de culpa diante da minha educação'', disse o presidente para a platéia de 2.000 pessoas. ''Na verdade, expandi o significado das palavras. Usei vulcanizar quando queria dizer polarizar, grecianos em vez de gregos. Inebriante, quando queria dizer hilariante.''

Outra acusação freqüente é de que Bush não decide muita coisa na Casa Branca e lê apenas os resumos dos documentos de Estado, deixando o trabalho duro para os assessores e para o vice Dick Cheney. Com verve de comediante, Bush declara: ''Para quem diz isso eu respondo... Dick, o que eu respondo?''. Na verdade, a idéia de que o presidente pode não ser um líder forte nem ter intimidade com a gramática e a diplomacia é relativizada por sua postura pessoal sóbria.

Personalismo? - Até por ter-se acostumado durante oito anos a falar sobre um personalista como Clinton, a imprensa continua tentando adivinhar nos traços da personalidade do texano as qualidades e defeitos do presidente. O episódio em que Bush afirmou que os Estados Unidos ''defenderiam Taiwan'' - os diplomatas do país torcem a gramática há pelo menos duas décadas para não serem claros a respeito - é creditado por muitos à sua impulsividade. Mas é difícil chegar a um resultado bem definido quando se põe Bush no divã.

''Mesmo tendo crescido no Texas e tendo esse jeito de compadre meio bobo, ele foi criado por pessoas que tinham um perfil bem elitista, a elite educada que veio da Inglaterra conquistar a América'', explica ao JB o professor John Orman, cientista político especializado em personalidade dos presidentes americanos, com três livros sobre o assunto. ''Do Texas vem a amabilidade, a extroversão. Desta elite - chamamos este tipo de New England gentleman (cavalheiro da Nova Inglaterra) - ele herdou um certo censo de civilidade e consciência política''. De certa forma, a impulsividade do caubói não combina com a seriedade e inteligência política dos fidalgos da elite texana. Mas Bush se agarra à sela e segue seu caminho.

22.4.01

EUA terceirizam risco na Colômbia

Para evitar desgaste político, governo americano substitui seus militares por firmas especializadas

(Publicada originalmente no JB)

No momento em que pousou seu helicóptero num campo de folhas de coca, depois de ser atingido em pleno vôo por um disparo das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o capitão colombiano Giancarlo Cotrino não sabia o tamanho do precedente que a situação ia originar logo depois. Seu resgate envolveu dois helicópteros de guerra, que metralhavam intermitentemente as posições de onde cerca de 200 rebeldes atacavam a ele e seu co-piloto. O resgate foi feito por uma equipe de dois colombianos e quatro americanos. Pelo menos oficialmente, era a primeira vez que um cidadão dos Estados Unidos se envolvia diretamente no conflito colombiano.

A notícia reverberou com enorme impacto nos EUA quatro dias depois do episódio, numa reportagem do jornal Miami Herald publicada em 22 de fevereiro. A opinião pública simplesmente ignorava o fato de que civis americanos - a maioria deles militares da reserva - estivessem tão próximos da linha de fogo na Colômbia. Muitos passaram a se perguntar se o governo estaria financiando mercenários. ''O Pentágono está contratando alguém para fazer seu trabalho sujo'', acusa a deputada democrata Janice Schakowsky, que investiga os primeiros resultados do Plano Colômbia.

Tiros - Quando a campanha de fumigação aérea começou, em 12 dezembro passado, os pilotos encontraram pouca resistência por parte dos paramilitares de direita das Autodefesas de Colômbia, que dominam as plantações do departamento de Putumayo. O mesmo não se repetiu, contudo, quando a fumigação começou no departamento de Caquetá, controlado pelas Farc, o maior exército rebelde do país, com mais de 17 mil homens. Em 2 de fevereiro, no seu primeiro dia em Caquetá, o avião que despejava herbicida levou 11 tiros, mas conseguiu voltar à base. No domingo do acidente com Cotrino, um total de cinco aeronaves armadas escoltavam dois aviões de fumigação, prova de que os pilotos iam preparados para o pior.

Os americanos eram funcionários da Dyncorp, companhia privada americana que assinou em 1996 um contrato de US$ 600 milhões para realizar trabalhos de fumigação na Colômbia, Peru e Bolívia. Seu trabalho é cercado de mistério e seus pilotos são proibidos de comentar seu trabalho com jornalistas. O mesmo vale para a MPRI, firma americana de consultoria militar, que acabou de concluir um curso para o alto escalão do Exército colombiano.

Morte - O esquema é confortável para o governo dos EUA. Utilizando subcontratados, afasta-se o risco de ver um soldado americano sendo morto no exterior. Se o mesmo acontece a um empregado destas empresas, é sempre mais fácil justificar que o governo não tinha nenhuma responsabilidade sobre suas atividades ou o risco envolvido nelas. ''É sempre muito útil ter um grupo que não faça parte das Forças Armadas americanas, obviamente'', disse ao Miami Herald o ex-embaixador americano na Colômbia, Myles Frechette. ''Se alguém morre, você sempre pode dizer que ele não faz parte do seu Exército.''


AULA PERDIDA

''Não aprendemos nada desde El Salvador'', lamenta Robert E. White, diplomata americano que foi embaixador naquele país no início da década de 80. ''O que quero dizer é que há certos princípios de conduta em relação à América Latina e suas revoluções que devíamos ter aprendido desde então'', diz ele, por telefone, ao JB. White é diretor do Center for International Policy, instituto sediado em Washington que tem como maior objetivo estudar a política externa americana e buscar sua desmilitarização.

Ele usa sua experiência no pequeno país centro-americano como um trampolim para avaliar o que os EUA fazem hoje na Colômbia e propõem para o futuro da América Latina. Durante o fim dos anos 70 e início da década de 80, a América Central foi o palco de alguns dos últimos conflitos da Guerra Fria, com os EUA financiando os contras, que lutavam contra o governo sandinista na Nicarágua, e apoiando o governo de El Salvador na luta contra a guerrilha marxista.

Aliados - O ponto comum entre o que foi feito no passado em El Salvador e Nicarágua e o que se busca fazer hoje na América Latina é que os Estados Unidos continuam a fornecer ampla ajuda - em armas, assessoria militar, inteligência e propaganda - para apoiar seus aliados. É precisamente nesta estratégia que White vê o risco.

''Quando [o presidente colombiano Andrés]Pastrana apresentou a primeira forma do Plano Colômbia a Washington, não havia uma única linha defendendo uma intervenção militar. ''Não havia lugar para isto'', diz White. Segundo ele, Pastrana buscava saídas diferentes para os dois maiores problemas do país, o narcotráfico e as guerrilhas, ambos causados pela mesma desigualdade social. Em teoria, o desenvolvimento iria gradualmente tirar as vantagens da cultura de coca por camponeses pobres, isolando os traficantes. Quanto às guerrilhas, seriam vencidas na mesa de negociação.

Drogas - A nova versão do plano guardou poucas semelhanças com a original. ''Os EUA disseram, basicamente: Não temos dinheiro para financiar esse desenvolvimento, mas temos recursos quase infinitos para pagar a guerra às drogas. O que nós, americanos, fizemos foi militarizar um plano que originalmente se destinava a trazer a presença do governo para dentro dos territórios dominados pela guerrilha'', diz White.

A interpretação pode parecer colorida pela ideologia. Mas os opositores do Plano Colômbia e do que já se sabe da chamada Iniciativa Andina argumentam que a coisa sequer passa por um suspeito jogo de certo e errado. ''Simplesmente não funciona'', explica a deputada democrata Janice Schakowsky, entrevistada pelo JB. ''Ontem falei com uma cientista que faz trabalho de campo no Equador e ela me contou que o desmatamento para plantar coca já começou por lá. O mesmo pode acontecer no Peru'', conta a deputada, que visitou a Colômbia em fevereiro para reportar ao Congresso americano sobre os primeiros meses de implantação efetiva do Plano.