25.9.08

Metaturismo



Não sei se é a confirmação da velhice ou a influência de Guillermo Fadanelli, de quem acabo de ler um livro apropriadamente chamado Malacara, mas é a primeira vez que venho a Roma e, apenas três dias depois, já estou grato de ir embora. Por que? Simples: Roma se tornou uma cidade perfeita para ver... turistas.

Não há um único maldito lugar (estou exagerando; há, mas vamos adiante com esse argumento) em que se esteja a salvo deles. Eles, os turistas, como pulgas. Daí que observo o que há para se observar:

• Nossa economia vai realmente bem. Há brasileiros às pencas aqui. Quase todos de São Paulo ou do Sul.
• É interessante notar a diferença entre mochileiros de países desenvolvidos e os turistas latino-americanos que se hospedam nos albergues baratinhos. Enquanto que os europeus vivem aqui do lado e não gastam muito para vir, para os brasileiros, qualquer viagem à Europa é uma jornada de tempo e dinheiro. A consequência disso é que os filhos dos países desenvolvidos têm a aparência de mendigos e os brasileiros, de semilordes. Têm jeito não de quem se lança no mundo atrás de alguma coisa, mas de gente disciplinada, CDF, que guardou dinheiro comportadamente até conseguir o suficiente. Nada surpreendente, mas melancólico que só.
• A “gente di Roma” é um ton sur ton que vai do preto nigeriano até o amarelo chinês, passando pelo marrom paquistanês. Te servem café, sorvete, pizza, canolli e se servem, também fazem. Suponho que os romanos foram para a Grécia, como é desejo há muito tempo. (observo: nada contra nigerianos, pakis e chinas; apenas apontando o dado demográfico; na verdade é das poucas coisas que restam de interessante na cidade; são os únicos estrangeiros suportáveis)
• Agora não são só os japoneses que vêem o mundo através de suas câmeras. Ninguém mais anda passeando. Todos, aplicados, com cara de dever de casa. Os adaptadores para tomadas daqui, diferentes, acabaram em todas as lojas da cidade (é mentira, mas também é verdade). Ninguém vê os lugares, apenas põe na frente da câmera digital. É incrível a insatisfação das pessoas quando entram na Capela Sistina e são informados de que não podem tirar fotos, mesmo sem flash. Se a eletricidade acabasse, acho que todos iam embora (anote essa, Berlusca).
• Turista de pacote sempre foi assim: um ou uma coroa elegante na frente falando o que se está vendo e gente mais velha de calça curta e meia comprida (branca) seguindo. Agora há inovações: eles têm anteninhas com números de referência para evitar que um cordeiro se perca a outro rebanho. Além disso, os prisioneiros do número 2290, 4368 e 237 já dispõe de auriculares privados. O ou a coroa da frente vai cochichando em tom agradável o que está sendo visto. Acabou-se aquela diversão tão urbana de pegar carona na visita guiada do alheio. Isso contribui para a ignorância, aviso: consegui saber muito pouco sobre os Tintoretos na Pinacoteca do Vaticano.



Resumindo: os romanos não agüentam mais os turistas (essa novidade tem uns 300 anos) e eu tampouco. Minha proposta: mandem às favas os 10% do PIB que ganham com essa gente e fechem a cidade como Fernando de Noronha. Já tem um muro cercando o principal, é só pôr metralhadoras e gente com pouco critério e paciência nas portas. Levando em conta que vi em diversas lojinhas cuecas samba-canção estampadas com a cara do Mussolini, haverá muita gente disposta ao ofício. Entram 50 estrangeiros de cada vez. Dane-se o Tratado de Shengen. Com a cidade vazia, o silêncio volta, e a solenidade que é a pedra dos monumentos volta a existir. Do contrário, vote Nero para prefeito.




*PS: A primeira foto do post é da Fontana de Trevi. Só me ocorre dizer: “Anita, cadê você?”

Casas provisórias



Alessandro Downtown, Roma. 23 euros com café ruim e mochileiros fedorentos grátis.

21.9.08

O hit do verão

Numa dessas supresas que animam a manhã de domingo, me chegou um email de Dimitri BR, vocalista da banda brasileira 3a1 (aqui o site e o myspace deles). Ele me conta de uma música deles, cujo nome dá título a esse post, e que fala exatamente das apropriações de Che. O refrão: El Comandante Che Guevara/vendido feito coca-cola/El Comandante Che Guevara/no shopping e na porta da escola/El Comandante Che Guevara/ay se ele se visse agora/El Comandante Che Guevara/no shopping e na porta da escola." Modéstia pela janela: Dimitri disse que adorou Personal Che.

Sobre a banda, mestre Arthur Dapieve escreveu, no finado NoMínimo: "
Sua música tem a mesma malemolência do esporte inventado pelos ingleses e aprimorado pelos brasileiros: pop, rock e samba convivem nas levadas com sabor de Lapa."

Para quê falar mais? Vejam e ouçam com seus próprios olhos:



As apropriações de Che são tantas que podem resultar em versões radicalmente diferentes ainda que a música seja a mesma. Uma prova? Basta ver esse vídeo do cantor nueva trova cubano Sílvio Rodríguez:



Dos punks argentinos do Boikot (começa mesmo lá pelos dois minutos):



E, minha versão predileta, a da cantora Nathalie Chardone:



Se alguém quiser, há também uma versão playback em que ela saracoteia e até mostra as calçolas num programa de TV.

Ah, essas cantoras francesas...

19.9.08

Casas provisórias por aí



Casa de huespedes y restaurante sem nome, US$ 10 sem café da manhã, com insetos amistosos, ventilador emprestado e banheiro do outro lado do corredor. Bejucos, Sierra Madre, México.

Vai uma balinha aí?











Qual será o final dessa explosiva reportagem? Leia na piauí de outubro!

18.9.08

Bejucos


Ver mapa más grande

"Acá? Mira, mi hijito, acá no se dice que Diós nos olvidó por que hay esa cascada ahi detrás. De resto Bejucos es polvo. Puro polvo."

16.9.08

Bombas na independência

Quatro explosões ontem deixaram até o momento um saldo de oito mortos em Morelia, capital do estado de Michoacán, a oeste da capital mexicana. Os petardos foram detonados no mesmo momento em que o governador do estado, Leonel Godoy, fazia soar o sino que tradicionalmente anuncia o início dos festejos da independência do país. Pelo menos 100 feridos deram entrada nos hospitais locais, cerca de 10 em estado grave, o que pode fazer com que o número de vítimas fatais aumente nas próximas horas.

Duas das detonações aconteceram a uma quadra do palácio de governo na capital michoacana e a terceira logo em frente ao palácio, na praça onde milhares de pessoas comemoravam os festejos do 198º aniversário da independência do país. A quarta aconteceu numa rodovia na saída da cidade.

Há apenas especulações sobre os possíveis autores do atentado, sem precedentes na história recente do México. Ontem o Exército Zapatista de Libertação Nacional, há muitos anos uma organização pacifista, emitiu um comunicado em que anunciava uma inocente conferência internacional para o fim desse ano na capital mexicana e em Chiapas. Os militantes do Exército Popular Revolucionário não divulgaram qualquer comunicado nas últimas horas, e suas ações geralmente se concentram contra instalações industriais, sempre buscando evitar mortes.

Local e data das detonações pode sugerir um contexto político: Morelia recebe esse nome graças a José Maria Morelos, um dos líderes da guerra de independência contra os espanhóis. Além disso, Michoacán é a terra do atual presidente do país, Felipe Calderón. É possível, contudo, que as explosões tenham motivações mais mundanas: o estado também é um dos maiores corredores de tráfico de drogas do país e tem sido palco de enfrentamentos sérios e constantes entre as narcogangues rivais e entre elas e as forças de segurança desde Calderón destacou uma força de 25 mil soldados para combater o crime e deu início a uma estratégia de enfrentamento.

Por seu lado, os traficantes vêm assumindo um perfil mais público: nas últimas semanas chegaram a divulgar enormes faixas de pano em rodovias de grande circulação afirmando que a suposta guerra mexicana aos cartéis de droga seria, na verdade, uma forma escamoteada de favorecer uma determinada gangue – a de "Chapo" Guzmán – em detrimento de outras. Poucos analistas dão crédito a tal afirmação, mas não seria a primeira vez que funcionários do governo colaborariam com os cartéis.

A vinculação das explosões ao tráfico é a principal linha de investigação no momento.

14.9.08

Turistas

12.9.08

Pauta



– Então queria, basicamente, saber da possibilidade de uma entrevista com o senhor.
– Sí, claro, no hay problema.
– A que horas pode ser?
– Hm... como a las dos de la tarde está bien? Hay que ser hoy o mañana. Después vuelvo a Bogotá.
– Então tudo bem. Às duas estou aí.
– Perfecto. (Tapa o bocal do telefone e pergunta para uma pessoa a seu lado). ¿Está listo el revólver? Es que viene un reportero... ¿Sí? (De volta para mim) Bueno, okay, señor Douglas. A las dos le esperamos.

Sete anos

Ontem fez sete anos em que estava sentado tranqüilamente no chão da minha casa às dez e pouco da manhã, tomando café e lendo uma matéria no Caderno B, do Jornal do Brasil, sobre o novo disco de Jorge Ben(jor). Toca o telefone e o então sub-editor de Internacional do JB, Sérgio Benevides, me diz um tanto ofegante que houve um acidente em Nova York.

– Tem um acidente de avião em Nova York
– Caramba! Grave?
– É, na verdade, foram dois aviões.
– Cacilda! Que coincidência!
– É, e os dois bateram no World Trade Center.
– Hã?
– É, dois aviões grandes.
Sérgio nunca perdia sua fleuma, mas dava para sentir que havia medo no tom de sempre. Meu carro demorou a pegar, meu rádio demorou a sintonizar na CBN, mas quando consegui, um locutor dizia que havia pelo menos 19 aviões fora do alcance dos radares. Depois, que o Congresso americano estava em chamas. Depois, que a Casa Branca havia sido atacada. O celular começou a tocar e amigos com que há muito não falava, atônitos, vinham perguntar o que estava acontecendo, se aquilo era o começo da Terceira Guerra. Eu mesmo não sabia. Acho que ninguém sabia.

Houve muita confusão. E, depois, muitas críticas ao que se escreveu naqueles dias (das quais discordo com veemência). O fato é que um dos protagonistas está de saída (ainda bem, mas isso não vai mudar muita coisa) e o outro ainda não foi pego (o que é uma pena, mas também não mudaria muita coisa).

9.9.08

Tudo muito relativo



Ser social-democrata não significa a mesma coisa em todos os lugares. Do contrário, poderíamos ver o PSDB fazendo campanhas como essa aí em cima, uma das muitas criadas pelo PSD mexicano. Quem sabe a própria Marta Suplicy, sexóloga, aprovaria.

E já que estamos falando dos tucanos brasileiros, por que não mencionar também os tucanos mexicanos? Aqui, o pássaro bicudo é símbolo dos verdes.



E os verdes mexicanos, vejam só, querem a pena de morte.

8.9.08

No divã

É uma boa hora para que a opinião pública e a imprensa sentem no divã e se observem com cuidado. Na sexta-feira, um pai e uma madrasta mataram os dois filhos do primeiro em Ribeirão Pires, São Paulo. Depois de asfixiados, foram cortados em pedaços com uma foice e postos em sacos de lixo em frente à casa. Os dois meninos viviam há algum tempo na rua e foram mandados de volta para casa depois de algumas semanas em um abrigo público. O pai era vigia. Eram gente pobre, para resumir.

Se não se observar a mesma quantidade de matérias de jornal, minutos nos telejornais, vídeos em homenagem no youtube, gente fazendo vigília que se viu no caso de Isabella Nardoni, vai haver uma penca de cínicos dizendo que o cidadão se cansou de tanto horror. A conclusão, claro, é outra. E óbvia.

7.9.08

Surpresos? De verdade?




Muita gente que acompanha de perto o cinema nacional se surpreendeu com o ótimo desempenho do filme espírita Bezerra de Menezes nos cinemas. Em seu primeiro fim de semana, o filme fez nada desprezíveis 1.059 espectadores por cópia. Coisa de blockbuster de Hollywood. Entretanto, muita gente boa – como o Luiz Carlos Merten, do Estadão, e o Ricardo Calil, em seu blog – manifestaram surpresa. Sinceramente, me espanto é com o espanto.

Desde que o cinema brasileiro leva a pior nas bilheterias – ou seja, desde quase sempre – ouve-se diretores de cinema e produtores repetindo à exaustão de que o filme nacional é um espelho, que o brasileiro só pode se ver na tela do seu próprio cinema. Mas o que acontece quando os próprios diretores e gente de cinema não sabem muito bem o que é esse espelho? Quando, em essência, não conhecem bem a cara que prometem refletir?

A impressão que se tem é que os diretores nunca tiveram uma avó que fosse ao centro espírita curar uma dor nas costas ou uma prima que fosse à mesa branca para afastar um espírito obsessor. Olhando para nossa produção cinematográfica, parece que o Brasil é um país estatístico – com milhões de cristãos – ou mítico – cheio de terreiros de candomblé tradicional. Mesmo o "sincretismo" segue essas bases e ignora as misturas muito mais ricas do "umbando-kardecismo" como me definiu, uma vez, um diretor de centro.

Não é questão de se o filme é bom ou não – e a crítica diz que não. Não vi, e não deve ser mesmo. O tema é bom. E é nosso. Será que todo mundo esqueceu que o maior sucesso de Bergman no Brasil foi Fanny e Alexander?

1.9.08

Tarefa

Uma das minhas tarefas já pregadas na cortiça mental é tentar entender a crueldade mexicana. Não estou falando de todos os mexicanos, claro. A maioria das pessoas que conheço ou com quem converso, ainda que para pedir um café, é de buarquianos hombres cordiales. Tanto mais estranho, então, ler sobre vítimas do narcotráfico decapitadas aos montes ou que seqüestradores exigiram que uma família pagasse o resgate durante a marcha de sábado contra a violência. Miséria ou injustiça social não explicam isso. A necessidade de mostrar aos inimigos o quanto se é mau, talvez?

De alguma forma, a vida nesse país gera pessoas aterradoramente más.

Claque! Ziruiiiiir!

Na Lapa, a lenta agonia da fotografia vapt-vupt tem data para terminar


Teste de cor da Polaroid, © Gliesh

(publicada na Piauí)


Com gestos mais elegantes que as circunstâncias lhe permitem, Sérgio Silveira dobra o corpo até nivelar a câmera com a freguesia, que se arruma à sua frente para caber no enquadramento. Por trás do visor, ele eriça a sobrancelha esquerda, aperta o botão do disparador e – claque! – desperdiça a primeira fotografia.

O “claque” comanda as próximas cenas. Sua máquina não faz “clique”. É uma Polaroid – grande, ruidosa, cada vez mais parecida com as câmeras de fole que andavam em voga em 1939, quando ela inaugurou a fotografia instantânea. Os fregueses conferem o resultado na hora, assim que a imagem se revela no retângulo de papel desbotado pelo excesso de luz. Como o flash os lavou, os fregueses parecem almas penadas, assombrando a noite carioca num restaurante da Lapa.

Silveira não espera que eles peçam. Oferece outra fotografia, de graça. Mexe nos controles da engenhoca e – claque! – a mágica, dessa vez, dá certo. “Ziruiiiiir”, diz a Polaroid, expelindo a foto. Os clientes examinam, aprovam, ele recebe os 15 reais pelo serviço, insere num envelope a segunda tentativa, dá baixa da primeira com uma anotação breve – “uma superexposição” – e sai pelo salão, em busca de outros interessados em experimentar a última palavra em obsolescência tecnológica.

Silveira, na Lapa, é o Gaúcho. Como a Polaroid, ele foi desenhado em outra época. Usa o cabelo grisalho para trás, com fixador, e bigode aparado com rigor geométrico. Veste calça bege, camisa branca, blazer preto e gravata borboleta. Não ficaria desambientado numa galeria de presidentes latino-americanos dos anos 30 ou 40 do século passado. Ele sabe disso. “Olhe para mim: com este terno, minha câmera e essa gravata, eu sou uma vitrine”, comenta.

Em seu estilo, tudo tem uma explicação: “Sem gravata, sou um qualquer, ninguém me deixaria entrar para vender minhas fotos. Com uma gravata comum, sou um cliente comum. Por isso, tem que ser a borboleta. E bordô, para não me confundirem com um garçom.” Correndo atrás de trabalho, desde que saiu do Rio Grande do Sul, Silveira já morou em Santos, São Paulo e Brasília. Tentou o interior do Paraná, antes de se fixar de vez no Rio de Janeiro. Fez um pouco de tudo. Vendeu contrabando, foi chefe de pessoal numa construtora, defendeu empresas em ações trabalhistas, vendeu clássicos da literatura de porta em porta.

Os clássicos da literatura lhe mudaram a vida. Sua mulher o traiu com um vendedor da equipe e ele a devolveu à mãe. Foi morar então atrás da Central do Brasil, “com um despertador”. Reaprumou-se ao ganhar de presente uma Yashica, cópia japonesa da Rolleiflex, e conhecer um espanhol capaz de consertar no laboratório qualquer erro que ele cometesse com a máquina.

Assim, virou fotógrafo. Ou “homem-vitrine”, de Yashica no pescoço, flash na mão, bateria a tiracolo e uma grande ampliação pendurada nas costas. Passou a eternizar os encontros efêmeros de casais nas mesas boêmias do velho centro carioca. Apesar da gravata bordô e dos olhos esbugalhados, ele é discreto, e passa entre as mesas sem dizer palavra. Limita-se a acenar com a câmera e esperar que um dedo se levante para chamá-lo. Com o tempo, trocou a Yashica pela Rolleiflex legítima, mas ela não o livrou da rotina de tirar a foto, receber um sinal, levar o filme para a revelação e voltar no dia seguinte para entregar a mercadoria e receber o pagamento.

A Polaroid foi uma revolução em sua carreira. Com ela, acabou o vai-e-vem, era claque! ziruiiiiir! Ou seja, vapt-vupt! Com o que ela lhe rendia, bancou os estudos do filho no Colégio Naval e se mudou para uma pensão mais decente. Até que as coisas deixaram de funcionar como antes. Em meados da década de 90, teve problemas de visão. Logo ele, um fotógrafo. Com descolamento de retina, perdeu 100% do olho direito e 40% do esquerdo. Mas aprendeu a fotografar, como ele diz, “de canhota”. Garante que, hoje, enxerga melhor através do visor do que sem ele.

Catástrofe mesmo, a seu ver, foi o advento das câmeras digitais. Pior que elas, só os telefones celulares com câmera, que induzem até os casais menos equipados a esticar o braço nas mesas da Lapa e se fotografar como se estivessem examinando os dentes num espelho de bolso. Supra-sumo da quinta-essência da tecnologia moderna, num vapt-vuptíssimo a Polaroid virou velharia. O que não é brincadeira, para quem andou por tantas décadas nas mãos de profissionais, testando a iluminação dos estúdios, gravando locações no cinema para garantir a continuidade das filmagens ou tornando ainda mais imediata a produção de artistas como Andy Warhol.

Para Silveira, foi um desastre. Ele teve que se especializar, nos últimos anos, em retratar saudosistas, desses que, mesmo em mesas de bares, têm ouvidos para ouvir e entender seu claque! ziruiiiiir! Depois de perder o mercado consumidor, os fornecedores o desertaram. Minada pela popularidade avassaladora das câmeras digitais, a Polaroid Corporation, de Massachussetts, jogou a toalha no ano passado. Silveira recebeu, meses atrás, uma carta avisando que a empresa garantiria o fornecimento de filmes para os donos de suas máquinas até dezembro de 2007 no máximo.

Os fãs da Polaroid tradicional se organizaram e, por meio do site savepolaroid.com, iniciaram uma campanha internacional reivindicando a sobrevivência da máquina. Em vão. As fábricas da Polaroid começaram a fechar nos Estados Unidos, no México e na Holanda. Em seguida, veio a PoGo, a nova impressora da empresa. Portátil, alimentada a bateria, menor que uma caixa de seus antigos filmes, a PoGo imprime em qualquer lugar fotografias tiradas por câmeras digitais e celulares alheios.

Com os pés no chão, Silveira estocou todos os filmes que conseguiu encomendar em São Paulo, no Peru e na Colômbia. Pelas suas contas, tem munição até o fim do ano. E, do próximo réveillon em diante, ainda não decidiu o que fará. A fotografia digital não lhe parece uma alternativa razoável: “Estou com 75 anos. Levei 40 para ser o melhor com uma Polaroid. Se mudar agora, vou levar outros 40. E a essa altura vou estar com 115. Ora, com 115 não vou querer pegar sereno na rua, entende?”