19.12.08

Posso adiantar os foguetes?

Dia de festa por aqui, caríssimo leitor.

Personal Che foi selecionado pelos críticos de O Globo como um dos dez melhores filmes brasileiros do ano! Entrou num grupo fortíssimo de docs: os únicos dois outros não-ficcionais do ranking são Juízo, da multipremiada Maria Augista Ramos, e Serras da desordem, de Andrea Tonacci – que é simplesmente uma obra-prima. Os melhores do ano agora estão sendo votados pelo público nesse link. O que dizer? Gracias, gracias y más gracias.

Além dessa ótima notícia, soube hoje que o roteiro de meu próximo filme, A pílula, foi um dos selecionados entre 3800 projetos do mundo todo para o Talent Campus do Festival de Berlim. O projeto vai ter o prazer de apanhar muito na mão de diversos especialistas europeus. Em outros anos, o Campus teve como mestres gente como Stephen Frears, Walter Salles, Mike Leigh, Walter Murch, Christopher Doyle, Win Wenders, Amos Gitai, Michel Gondry, Fernando Eimbcke...

Em resumo, o Natal chegou antes. E olha que eu não gosto de Natal.

17.12.08

Personal Che em Londres


Estamos orgulhosíssimos: acabamos de saber que o filme fará parte da série "Cuba aos 50" do melhor clube de correspondentes do mundo, o Frontline Club, de Londres. Para quem estiver na terra da chuva, a sessão vai ser na sexta-feira, dia 9 de janeiro. Mais detalhes no site do Frontline. Infelizmente não vou poder comparecer de corpo presente, mas há o grande risco de me materializar via skype pra conversar com os presentes.

10.12.08

O renascentista de Miraflores

O nariz de Fidel é um problema



(Publicada originalmente na Piauí 27)

O venezuelano Armando Julio Reverón foi um dos principais pintores modernistas de sua época. Seu compatriota Jesús-Rafael Soto, falecido em 2005, ficou notório pelo legado de obras cinéticas. O caraquenho Carlos Cruz-Diez já teve suas peças expostas no MoMA, na Tate Modern e no Centre Georges Pompidou, três templos da arte contemporânea. É considerado hoje um dos maiores artistas plásticos vivos da América Latina.

Mas o quadro mais caro a ir a leilão na Venezuela não foi assinado por nenhum deles, e sim por um diletante, famoso por outras façanhas que não as pictóricas: Hugo Rafael Chávez Frias, apresentador televisivo de verve, cantor bissexto, militar condecorado e presidente em tempo integral da República Bolivariana.

La Luna de Yare foi vendida em setembro a três empresários venezuelanos. Os 550 mil bolívares fortes (cerca de 480 mil reais) desembolsados caíram direto nos cofres do Partido Socialista Unido da Venezuela, empenhado em mais uma campanha. As eleições regionais - que muitos encaram como um novo plebiscito sobre Chávez - ocorreram na segunda quinzena de novembro.

A tela, de 50 centímetros de base por 60 de altura, fez parte do jogo político desde sua criação: foi pintada em 1993, enquanto Chávez esteve preso na Penitenciária de Yare, após um fracassado golpe contra o presidente Carlos Andrés Pérez. Reproduzindo a paisagem gradeada vista de sua cela, o artista pintou um céu negro, uma lua alaranjada, uma guarita de vigilância e dois postes acesos, cada um com sua nuvem de cupins. Embaixo da janela, colocou uma frase do filósofo grego Sexto Empírico, não se sabe se rabiscada na parede original ou se acrescentada apenas na tela: "O moinho dos deuses... mói lento!" A frase está pela metade, parecendo manifestar pouco mais que tédio. O verdadeiro sentido vem à tona quando se conhece a outra parte: "Mas mói muito fino." É a perfeita expressão de um homem que sabia ter perdido a batalha, mas não a guerra.

Quando a notícia do leilão se espalhou, a intelligentsia local se retorceu em cólicas estéticas. "Não exibiria o quadro no meu museu porque só exponho obras criadas por artistas. E para a minha coleção pessoal não quero isso nem se me for dado", disse um iracundo Ali Cordero Casal, presidente do prestigioso Museo de Arte Acarigua-Araure. Noves fora as ressalvas às grades ("nota-se certo esforço", ajuizou mais de um), a maioria fez coro com o artista Ricardo Benaim, que cunhou o termo "cagante" especialmente para descrever a obra. "Chávez é nosso melhor artista conceitual. Se em vez da presidência se dedicasse a fazer performances do que é ser um chefe de Estado, seria convidado para todas as mostras." Pela pintura? "Pagaria trinta contos." Parecia não haver mais caldo a entornar quando o maior crítico de arte do país, Perán Erminy, levantou suspeitas sobre a autoria da obra. Por pior que fosse o quadro, disse, ainda era muito melhor que tudo já feito pelo suposto autor: "Não corresponde em nada à maneira dele pintar. As grades, por exemplo, estão bem feitas, em linha reta, espaçadas com regularidade. Tudo que Chávez desenha fica torto. É uma coisa quase patológica."

Erminy fala com propriedade. Foi o primeiro - e até onde se sabe, único - curador a montar uma exposição do Chávez pintor, no Museo Salvador Valero, quando ele ainda estava preso. "Eu preparava uma coletiva de artistas populares quando seu pai apareceu com três quadros. Pedi mais alguns para fazer uma individual - me pareceu curioso que um militar golpista tivesse pendores artísticos." Hoje, justifica sua escolha com o seguinte argumento estético: "A qualidade era muito baixa. Tão baixa que chegava a ser interessante."

Mas, se não foi Chávez, quem, então, cometeu La Luna de Yare?

O nome salta da língua de Erminy com a rapidez da certeza: Efraín "Chepín" Lopez, pintor militar de 72 anos especializado em cenas históricas. Segundo o crítico, quando Chávez foi eleito e mudou-se para o Palácio Miraflores, encontrou-o pintando telas oficiais num pequeno estúdio. Com o tempo, Chepín teria se tornado seu amigo e preceptor. "Ele se impacientava porque Chávez não seguia suas instruções, e acabava pedindo os quadros para terminá-los. Contente de ver suas obras aperfeiçoadas, Chávez contribuía com sua assinatura." Erminy diz que o guerrilheiro que expôs no começo dos anos 90 seria incapaz de manejar luz e profundidade da maneira que se vê na tela.

Chepín tem uma versão diferente. "Conheci Chávez há 33 anos, na Escola de Infantaria e Blindados, onde nasceu nossa grande amizade. Às vezes, fazíamos juntos murais em quartéis e coisas assim. Nessa época ele estava iniciando sua formação histórica, filosófica, moral e espiritual. É um ser especial, um coração bondoso." Sim, mas e o quadro? "Pois é, houve esse crítico que disse que La Luna de Yare seria minha. Não, nunca. Isso é sagrado. O que faço para o presidente é limpar seus pincéis, deixar tudo arrumado no estúdio e dar alguns conselhos." Ele cita um exemplo: "Outro dia, Chávez me acordou no meio da noite para pedir ajuda com um retrato que está pintando de Fidel. Está tendo problemas com o nariz." Chepín garante que, desde as primeiras aulas, o exguerrilheiro tem todas as ferramentas para fazer um quadro nos moldes de La Luna. "As linhas, os círculos, os triângulos, tudo, tudo, tudo."

Influências e estilo do mandatário são outro tema controverso. "É um pintor quase autodidata, popular. Muito espontâneo. Lê muito, muitos livros de pintura, de arte, mas faz sua própria pintura, uma pintura cheia de poesia. Ele é um poeta ingênuo, de muita pureza", afirma Chepín. O crítico de arte Erminy tem opinião mais cética: "Influências? Não sei se existe alguma", contesta. "Não é como se ele quisesse fazer algo expressionista ou distorcido. Sai assim involuntariamente. A única coisa que consigo imaginar como influência de Chávez são uns calendários com fotos de chalezinhos suíços muito populares nos vilarejos do interior. Os oito ou nove óleos da mostra que organizei mostravam esse tipo de paisagem."

Vitupérios ditos e desmentidos expostos, parecia que a polêmica seria tão renhida quanto curta. Foi quando se soube que o preço recorde sequer havia sido pago por um trabalho original: o que estava dentro da moldura vendida aos três empresários era uma cópia fotográfica. Segundo Erminy, "dessas feitas com máquina xérox colorida". E sequer era a primeira cópia, dada há um ano para o líder cubano Fidel Castro (é razoável supor que ainda adorne seus aposentos em Havana).

A tela original, feita por quem quer que seja, fora vendida dez anos antes ao petro-empresário venezuelano Rafael Tudela, pelo equivalente a 2 mil reais, num leilão para financiar a campanha da primeira eleição de Chávez. A se tomar pelo valor atingido uma década depois, o quadro valorizou 240 vezes, ou 12 000%. Em tempos de nova instabilidade petrolífera, a Venezuela já tem sua salvação.

8.12.08

O homem elefante

Elefante que se preza ouve Bob Dylan



(Publicada originalmente na Piauí 27)

À meia-noite de 23 de setembro, uma elefanta chamada Hildra fugiu do Gran Circo Unión, nos arredores da Cidade do México. Tudo aconteceu muito rápido: junto com dois outros paquidermes, ela havia sido liberada para tomar água; na volta, um gato preto passou-lhe entre as patas. Assustada, Hildra se descontrolou, arrebentou um portão de metal e ganhou a rodovia México-Pachuca. Correu por alguns quilômetros até alcançar a via expressa que levava a Teotihuacán. Ao atravessar na contramão a cancela número três do pedágio, viu crescerem os faróis do ônibus conduzido por Tomás López Durán. O veículo se chocou contra as 4 toneladas e meia do animal, encerrando ali a história de ambos.

Uma hora e meia depois, apitou um alerta no computador de Dan Koehl, em Estocolmo. Aos 49 anos, ele comanda de um laptop em sua cozinha o site www.elephant.se, maior base de dados sobre elefantes no mundo. Através de uma comunidade chamada Elephant Gossip [Fofoca de Elefante], Koehl recebe dicas de quase trinta informantes regulares - estudiosos e tratadores dos Estados Unidos, Sri Lanka, Tailândia e da Europa. Foi assim que, pouco tempo após a publicação do óbito por uma agência de notícias, Koehl já acrescera ao fato as informações de que Hildra nascera numa selva da Índia, 45 anos antes, e que, provavelmente, fora comprada de algum circo americano. br /> br /> O site, com poucas imagens, tem um design tão delicado quanto a pele de um paquiderme. Não rende um centavo, mas é atualizado cerca de vinte vezes por semana. É nele que Koehl monitora os mais de 4 mil elefantes de 98 países dos quais tem conhecimento, noticiando nascimentos (como o de Samudra, nos Estados Unidos), óbitos (Suwako, no Japão), transferências (Raisa, enviada do Rio de Janeiro para Sorocaba), tramitação de leis (nova reserva para os animais na Índia) e ameaças (60 elefantes selvagens mortos no Sri Lanka em 2008). Além disso, o site ainda conta com tratados históricos, estudos sobre o comportamento da manada e detalhadas instruções relativas à saúde do animal, com dicas que vão do pH ideal da água à forma correta de lhes cortar a unha. É uma Bíblia em tempo real para quem lida ou gosta dos bichos, algo entre o New York Times e a Wikipedia da elefantografia. O responsável pela obra assina seus e-mails como "Dan Koehl, enciclopédia de elefantes".

A paixão zoológica de Koehl surgiu aos 17 anos, quando, numa visita de quatro meses ao Sri Lanka, conheceu os mahouts, homens que dedicam suas vidas ao simpático animal. No retorno à casa, o encanto virou trabalho sério: hoje, além de prestar consultoria a instituições européias, parques zimbabuenses e orfanatos de animais na Tailândia, é ele quem trata a pão-de-ló os três elefantes do rei Carl Gustaf da Suécia. Nesses últimos trinta anos, Koehl passou mais tempo ao lado de elefantes que de homens. Conhece profundamente o comportamento do bicho, segundo ele, de inteligência comparável à de cetáceos (baleias, botos e golfinhos) e grandes primatas (chipanzés, bonobos, orangotangos, gorilas e humanos - mas não todos). "Na verdade, a variação dentro desses grupos é maior que a variação entre esses grupos, o que equivale a dizer que um elefante brilhante pode ser muito mais inteligente que uma pessoa burra", ensina. Uma prova rápida é dada quando Koehl pede a seus pupilos que trombeteiem. "Sawadee!", vocifera, a que Sao Noi (Menininha) e Kuo (Flor de lótus) prontamente respondem, soando como dez Miles Davis sem partitura. Saudar na língua-mãe - os dois foram um presente do governo tailandês, em cuja língua sawadee é algo como "e aí?" - é um sinal de deferência de Koehl, já que a maior parte da comunicação entre humanos e elefantes se dá num dialeto que mistura o cingalês, o alemão e o inglês, fruto do último século e meio de relações entre as duas espécies. O Ceilão, hoje Sri Lanka, foi um dos lugares onde o alemão Carl Hagenbeck, o maior mercador de animais selvagens do século XIX, capturou mais exemplares para seu plantel. O que o alemão foi para o tráfico, o americano P. T. Barnum foi para o circo, explicando a porção anglófona do léxico elefantino. Koehl diz, contudo, que o dialeto é flexível feito tromba. "Eles aprendem comandos e línguas rapidamente."

Avesso ao ambientalismo politicamente correto, o tratador desdenha do discurso anticirco de grupos de defesa dos animais, lamentando que alguns estados no Brasil tenham proibido os paquidermes em espetáculos. "As pessoas não sabem que, em certas partes da Ásia, elefantes são animais tão domésticos quanto cães e cavalos. Para mim, o ideal seria que espécimes fora da natureza dividissem seu tempo entre zoológicos e circos onde fossem bem tratados. Só zoológico os deixa deprimidos, reumáticos, flácidos. Já o circo é um bom workout, e incita o contato com humanos. Precisam das duas coisas."

Para ilustrar, ele cita o caso do terceiro elefante real - Saba, uma quarentona vinda do zoológico de Dompierre-sur-Besbre, na França. "Lá, ela vivia com outra elefanta em regime de separação absoluta dos humanos, sendo alimentada e lavada através de uma grade. Mas o caso é que Saba não tem a menor paciência para elefantes e adora gente. Resultado: estava entediadíssima quando chegou." Koehl diz que nos bosques de sua majestade, a amiga tem espaço para passear e interagir com animais de outras espécies. Garante, inclusive, que ela gosta de música, com especial predileção pelo pop americano dos anos 60. "Como eu sei? Bom, se um bicho de 4 toneladas sai de onde está e pára do meu lado balançando a tromba quando eu canto Wooden Heart, do Elvis, ou Tomorrow Is a Long Time, do Bob Dylan, acho que é porque está se divertindo. Herbívoros encaram o silêncio como sinal de que há predadores por perto, sabe?" Para que nenhum elefante em cativeiro tenha que lidar com o angustiante ruído da solidão, Koehl tem empenhado grande parte do seu tempo nos últimos meses em um projeto de âmbito global: uma rede telefônica sem fronteiras, conectando animais de diferentes zoológicos. Ele explica que elefantes usam infra-sons para se comunicarem a grandes distâncias na natureza. O ruído dá conta de quem está falando, inclusive. "Por isso pensei: e se instalarmos microfones e alto-falantes em dois lugares diferentes para que eles se comuniquem? Veja o caso da Saba: ela está muito bem aqui, mas soube que a elefanta que ficou para trás andava triste, pensativa. Imagine: você vive com alguém por anos e de repente essa pessoa desaparece. Não seria genial que elas pudessem se falar de novo, dizer 'está tudo em ordem, pode ficar tranqüila' e tocar a vida adiante?"

O projeto experimental começa este mês com os elefantes do Zoológico de Colônia, na Alemanha. Para evitar qualquer desentendimento na conversa - a despeito do poliglotismo dos bichos -, Koehl preferiu que todos os elefantes nessa fase inicial fossem de origem asiática.

6.12.08

She is the walrus



Sim, é o que você está pensando. Não, não é uma montagem.

3.12.08

Algumas coisas aprendidas ou não

Tiros podem não doer se você estiver bem vestido. Esquilos comem nozes, mas também laranjas. Os de pelo preto parecem urubus. Nenhum parece um rato. Todos os policiais mexicanos têm esplêndidos uniformes. Nenhum tem bom caimento, mas penso que é por conta de carnes sobrando. Metade não é confiável, segundo o presidente do país. Políticos pegam aviões para morrer no meio da cidade. Traficantes preferem tiros. Mas também cortam cabeças. Elefantes preferem a estrada e bater de frente com um ônibus. Suecos gostam de elefantes. Ao menos um sueco. Chávez gosta de pintar. E o faz mal. Se é que faz. México, cactos, desertos, sombreros para aguentar o calor. Faz um frio enorme no México. Neva, dizem, mas eu não vi. Em várias cidades só há mulheres, crianças e velhos. Não houve guerra, mas uma espécie de conquista. Por pior que o país vizinho vá, é melhor que aqui. "Longe de Deus, perto dos EUA", disse um. Mexicanos são ruins de teatro (os que eu conheço). O melhor que vi era dirigido por um americano filho de judeus russos que fala pouco espanhol. A música é bruta, esporrenta em todos os sentidos, ou seja: de mau gosto, alegre. Andam muito de carro, até para chegar até a quadra seguinte. As mulheres se maquiam. Muito, em qualquer lugar. Para esperar o metrô, que não demora, senta-se no chão. Há uma fábrica estatal especializada em mastros e bandeiras monumentais. Há muitas pela cidade. No dia da Independência é carnaval. Há muito lixo nas ruas e poucas lixeiras. Há muitas cabeças cortadas, mas quase todas são de traficantes, assim todos continuam continuando. Lê-se jornais: La Jornada para os de esquerda, La Prensa para os qualqueres, Universal pra quem sabe dar descontos, os outros pros que têm bom gosto e melhor bolso. Em Polanco não é México. Em Índios Verdes acaba a linha verde do metrô e realmente há índios verdes. Ao menos dois, dizem. Eu não sei, e não me pareceu importante, já que só são dois em vinte milhões. Sinaliza-se a ré para um amigo com pancadinhas contínuas. Pára-se quando se quer que pare-se o carro. Sorvetes são bons e todos de Michoacán. Grilos são de Oaxaca (diga Oahaca ou te corrigem). Dizem que são bons, mais limpos que camarão. Qual será a graça deles, então? Pimenta, sal, açúcar, chocolate, azeite, milho mofado e flor de abóbora e cogumelos combinam. Qualquer coisa combina com feijão. O ar na saída do metrô é milho frito. Dentro do metrô é quente e cheio de música. Os cegos cantam e usam uma calhazinha para deslizar suas bengalas até o milho frito. Cantam bem. Quase tão alto quanto as mochilas amplificadas cheias de MP3. Lucy in the sky with diamonds esperando o trem (quase não se espera o trem, já disse). Não vi ninguém de sombreiro. Vi muita gente do campo de chapéu – um deles tinha uma cascavel seca e um ralador. Levanta a libido e evita a queda também do cabelo. Cinco estantes de gel para cabelo. Emos mais japoneses que os japoneses. All star, all star, all star. Roupa de listras. Tribos. Todo mundo igual. Preguiça no transporte. Pressa ao acordar. Guey, guey, guey. Poucos gays. Só num bairro chamado Condesa ou na Plaza Insurgentes. Deve ser piada de alguém. Mais mulheres que homens. Cílios postiços. Documentários. Cineteca. Tequila no masculino. Pão ruim. Tortillas azuis. Cabelos azuis. Sombras azuis. Paredes azuis. Paredes laranja. Esquilos equilibrando laranjas. Paredes de todas as cores, de todas as cores das roupas coloridas da sua namorada. Manhã depois da hora da manhã. Entardecer na hora certa. Bueno como alô. Padre como legal. Jitomate como tomate. Tu é tu, usted é muito mais sério. Presupuesto. Por supuesto. Guión. Betabel. De hecho. Así es. A lo mejor. Calderón. Huipile. Que tanto. Órale. "¿?"

Sim, fundamentalmente "¿?", México.

30.11.08

Economia


Mas se só houver tempo para ver um conjunto de fotos, faça o favor a si mesmo de deixar as minhas para lá e dar uma olhada em fotos de verdade. Nessa galeria virtual há um pouco do trabalho de Graciela Iturbide, mexicana fantástica que descobri aqui (talvez seja a última pessoa no mundo interessada em fotografia a fazer isso, aliás) e que ganhou faz um mês o Prêmio Hasselblad.

Escurinho


Saiu uma galeria pequenininha das minhas fotos no Gawker! Aí vai uma que ficou de fora.

29.11.08

Prazer para nerds


O post é para agradar poucos, afinal a banda nunca foi muito popular: a (para mim) obscura revista musical JamsBio destacou um fã monomaníaco dos Beatles (um pouco pleonásmico isso, mas vá lá) para fazer um ranking de todas as canções da banda. Chamam a coisa de Playing the Beatles backwards – "tocando os Beatles ao contrário".

É o tipo de iniciativa que fracassa se o condutor não tem ao teclado a mesma coisa que os Beatles tinham na música: verve e conhecimento. É aí que o tal JBev mostra a destreza de um Ringo ao manejar um catálogo de 184 canções sacrossantas para muitos de forma apaixonada, informativa, franca e – aleluia – irreverente.

Ainda que o site diga que para muitos isso seria como escolher entre um filho e outro, a verdade é que quase todo verdadeiro fã da banda tem sua lista mental, ainda que não tão organizada ou consciente.

Todo mundo vai ter reservas em alguns momentos para dizer "é isso!" em outros, claro. É particularmente divertido quando a machadada parte em direção a alguma vaca sagrada (consigo ouvir gente irada gritando "Penny Lane em 140º!?") ou quando aparece alguma interpretação que você, beatlemaníaco de quatro costados e duas décadas, nunca tinha pensado ou não tinha dados para pensar. Quão sintomático é o fato de que I me mine tenha sido a última música gravada por uma banda terminada pelo choque de egos? Por que quando os quatro cantam em coro é a voz de Ringo que se sobressai? Por que Lucy in the sky é boa, ma non troppo?

Uma agonia é ver favoritas pessoais serem sacrificadas no altar de uma análise idiossincrática, mas quase sempre justa. Aconteceu comigo aqui, aqui e aqui, por exemplo. Um prazer enorme é ver algumas porcarias receberem a devida sova, como aqui, aqui e aqui. Outro é descobrir alguns detalhes pequenos e sublimes em faixas apenas medianas. E há a expectativa à medida que o topo vai se aproximando (já estamos no top 100 quando escrevo isso) para ver como suas preferidas estão indo. É viciante. Eu cheguei no meio, mas desde então volto ao site diariamente para um novo lote de cinco sentenças.

A idéia é tão boba quanto divertida. Mais ou menos como escrever uma música dizendo a um amigo "ela te ama, sim, sim, sim".

Fragmentos mexicanos


"Guey, tinha um lugar aqui perto onde a minha mãe falou que tinha José Cuervo barata..."

•••

"Tem a tristeza de não ter, mas tem a de ter, também".

•••

E um homem de chapéu marrom e camisa meio puída, que navegava, meio bêbado, as pedras do calçamento da praça aqui perto. Levava pendurado nas pontas dos dedos um LP fora da capa.

28.11.08

Uma letra depois da outra


Não sei quem disse que é sempre bom prestar atenção em como você vê o futuro pra ter certeza de que está conduzindo as coisas do jeito certo hoje. Talvez tenha sido eu mesmo. Me lembro desse personagem do filme "The Commitments", de Alan Parker, o suposto agente da banda, que ensaia para uma entrevista usando a ducha da sua banheira como microfone, todo besta, contando vantagem. Obviamente, a banda acaba mal na história (embora tenha me surpreendido agora ao descobrir que há atores do filme de Parker se apresentando ainda hoje, 17 anos depois do lançamento do filme).

Por que digo isso tudo, em mais uma das minhas digressões? Porque estou cheio de orgulho de ver na minha frente pela primeira vez a impressão, toda bonita na sua simplicidade, do meu primeiro roteiro de ficção. Ver as folhas de papel e suas linhas de Courier 12, já com suas devidas revisões, as primeiras de muitas, é quase tão bom quanto uma réstia de sol nesse México friorento (e não, não ligo para o brega da metáfora nesse momento).

Uma pilha de folhas de papel é uma ótima razão para estar feliz.

24.11.08

No teatro com Malkovich



Desde que chegamos fomos quatro vezes ao teatro. Primeira peça, udigrudi de um autor catalão, anárquica, mas chata. Segunda peça, de um estimado autor mexicano, para lá de pretenciosa. Terceira, um clássico popularesco com suas três mil e tantas apresentações, deu pra rir, mas era boçal quase sempre.

Não ajuda muito a reputação das artes dramáticas mexicanas o fato de que a melhor vista aqui é baseada num texto de autor americano, com o diretor aí de cima se comunicando com o elenco mexicano em inglês. É fantástica.

16.11.08

Pauta

"Vê-se um céu escuro, uma lua alaranjada, uma guarita de vigilância e dois postes acesos, cada um com sua nuvem de cupins e mariposas. Grades cinzas quadriculam a composição. No pé do quadro, uma frase, não se sabe se pintada na parede original ou se inscrita pelo próprio comandante na sua obra: “O moinho dos deuses... Mói lento!!”

7.11.08

Pauta

"Bom, eu acho que se a Saba vem pra perto de mim e começa a sacudir as orelhas e balançar a tromba quando pego o violão e toco Bob Dylan, Simon & Garfunkel, é porque ela está gostando. Herbívoros encaram o silêncio como sinal de perigo, sabe?"

6.11.08

Queda de avião mata ministro mexicano


© La Jornada

Saiu nova matéria para a Folha, sobre a queda de um avião aqui na Cidade do México:

"O México foi forçado a desviar sua atenção da vitória do democrata Barack Obama na noite de anteontem, quando um jatinho do governo federal caiu a poucos metros de um dos principais cruzamentos da capital do país, matando o secretário de governo (Casa Civil) Juan Camilo Mouriño, braço direito do presidente Felipe Calderón, além de uma peça-chave no combate ao crime organizado, o secretário para a reforma da Segurança, José Luís Santiago Vasconcelos."
O texto completo, para assinantes da Folha, está aqui.


(Agora que já passaram dois dias e matéria virou embrulho de peixe, segue o resto)

Até o momento foram confirmadas mais 12 mortes, seis delas de pessoas que estavam no lugar do desastre, e 12 feridos com queimaduras graves. Não há confirmação sobre as razões da queda; a hipótese de um atentado não está descartada.

O avião se espatifou pouco depois das seis da tarde numa zona movimentada e luxuosa da Cidade do México, as Lomas de Chapultepec, próximo ao entroncamento entre o Paseo de la Reforma e o Anel Periférico, ambos coalhados de automóveis na hora do rush. Ao cair, o avião explodiu, incendiando trinta carros e rompendo os vidros de diversos prédios. A queda agravou o trânsito já habitualmente caótico da capital.

Mouriño era o número dois do governo federal, assessor mais próximo e amigo pessoal de Calderón. Com apenas 37 anos, era um dos cotados pelo Partido da Ação Nacional para a sucessão de 2012 e o principal articulador no governo da reforma do setor petroleiro. Sua segunda pauta era a segurança.

Desde a posse de Calderón, em 2006, as estatísticas de assassinatos e seqüestros dispararam graças, segundo o governo, a uma política de enfrentamento. Mouriño e Santiago Vasconcelos eram os principais funcionários federais envolvidos no combate ao crime.

O governo informou que o avião voava em rota e altitude normais, ainda que excessivamente próximo de outras aeronaves. Ficou a apenas 4,5 km de um Boeing 767 minutos antes da queda, quando o normal é 6,5 km. Não houve nenhum aviso de emergência para a torre.

Especula-se que o piloto estivesse buscando refúgio da turbulência gerada pelo Boeing ou um ponto para um pouso forçado nos Bosques de Chapultepec, vizinho ao ponto de impacto. Peritos afirmam que sabotagens geralmente deixam um rastro de destroços até o ponto da queda. Nesse caso, o avião caiu inteiro, despedaçando-se apenas no chão.

O governo tem se esquivado das fortes especulações de que a aeronave foi alvo de uma sabotagem por parte dos "zetas", como são chamados os membros do Cartel do Golfo do México. Não seria o primeiro atentado contra Santiago nem a primeira ação terrorista do cartel.

Os "zetas" são acusados pelo ataque do dia 15 de setembro em Morelia, capital do Estado de Michoacán, em meio às festas da independência. Duas granadas foram detonadas na praça principal, matando oito pessoas e ferindo mais de 150.

Já Santiago foi alvo de inúmeros atentados na época em que era o czar do combate às drogas e sub-procurador geral da República, responsável por mais de uma centena de extradições de "capos" aos EUA. Teve a cabeça posta a prêmio: nada menos que US$ 5 milhões.

A estratégia do governo no momento é levar "zetas" e membros dos cartéis de Sinaloa e de Juárez à extinção mútua. Das mais de 4.600 mortes registradas esse ano, estima-se que perto de 4.000 sejam de soldados dos cartéis.

5.11.08

O foguete e os peixes



Leio hoje uma notícia que me deixa muito feliz. Cito da Folha:

"O território reivindicado por cerca de cem comunidades quilombolas de Alcântara. no Maranhão, foi reconhecido oficialmente pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Em relatório publicado ontem no Diário Oficial da União, o órgão federal delimita a área que era motivo de conflito com a Agência Espacial Brasileira, que mantém um centro de lançamento de foguetes no município. Parte do território em disputa seria ocupado pela Alcântara-Cyclone, a empresa binacional Brasil-Ucrânia para lançamentos comerciais de satélite. A companhia já tinha anunciado em agosto sua desistência de ocupar a região. Em comunicado à imprensa, o Incra afirma que as 3.500 famílias quilombolas que vivem hoje na região ficarão com uma área total de 78 mil hectares."
No fim de 2004 estive em Alcântara para fazer uma reportagem sobre a conflituosa convivência entre os foguetes e os pescadores quilombolas para a rede de TV japonesa NHK. Acabei escrevendo também uma longa matéria para o JB sobre o assunto, que me fascina até hoje. Nos anos 80, o governo relocou na marra vilas inteiras, criando uma paura coletiva em relação à base. Espero o reconhecimento do Incra acabe com o desentendimento entre pescadores e cientistas espaciais.

4.11.08

Adeus, caubói


© New Yorker

Tão importante quanto o (provável) começo de uma Era Obama na Casa Branca é o fim da Era Bush (esse, ainda bem, seguro). Nesses anos o mundo teve de se habituar a conviver com um vizinho forte e folgado. E a América teve de se habituar a ser desprezada não só por seus inimigos diretos, mas por quase todo o mundo.

Decidi aproveitar a oportunidade para escavar o pequeno baú desse blog, pôr online algumas reportagens que fiz ao longo desses anos (links simples) e adicionar alguns textos que acho fundamentais para entendê-los (links creditados). É uma retrospectiva de fundo de quintal, com tudo de parcial e pessoal que pode ter, tudo de bom e mau que isso acarreta.

Hoje é difícil lembrar, mas a eleição de 2000 era tida como algo desimportante. Ao contrário de hoje, o grande assunto não era o que faria esse ou aquele presidente, mas os defeitos do sistema eleitoral americano. É curioso ver como os entrevistados para essa matéria afirmam sem meias palavras que naquela eleição os americanos escolheram um presidente "de centro" e convocado a "governar pouco". Isso antes mesmo de se confirmar o resultado final. É curioso também ver como tudo parecia incerto naquele momento, um mês depois das eleições.

É igualmente interessante notar como Bush era um estranho ao establishment, um alien no sistema, uma mudança brusca da Era Clinton. Nossa visão sobre os americanos era diferente. A parvoíce de Bush ainda era vista como exceção e não regra. Nessa parcial, mas excelente matéria da Vanity Fair, Gail Sheely reconstrói a fabricação milimétrica do Bush propositalmente caubói/caipira.

Toda a conversa de "presidente desimportante" mudou, é claro, após os ataques de 11 de setembro, apenas alguns meses depois da posse. Era um sinal claro de que o anti-americanismo que ia se tornar regra nos anos seguintes já era professado por gente na frente de batalha, ex-aliados como Osama Bin Laden, um brilhante orador, ainda que, segundo alguns, estrategista de parcos resultados.

As especulações sobre o que seria a retaliação começaram minutos após o ataque às Torres Gêmeas. Naquela época, ainda se pensava se seria ao Afeganistão ou ao Iraque. Apenas depois percebemos que o plano era passar por cima do fato de que os bandos dos dois países não se bicavam e abrir duas frentes de batalha. A falta de lideranças alternativas e o excesso de candidatos ao trono eram patentes no Afeganistão. Já na época se questionava se não era melhor evitar a catástrofe humanitária que se seguiu e simplesmente "comprar" Bin Laden do regime talibã. A oferta que fizeram a Clinton, ao que tudo indica, ainda estava de pé na época da invasão, quando tive a sorte de conseguir a primeira confirmação oficial de que forças americanas e inglesas já estavam no país preparando clandestinamente a invasão. Na pressa de tantas análises e fatos, o furo acabou, justificadamente, passando despercebido.

Hoje o conflito se arrasta e o melhor retrato que conheço dele foi escrito por Jon Lee Anderson, da New Yorker. Aqui, ele fala dos problemas enfrentados pelo presidente do país, Hamid Karzai. Nessa reportagem, de como os talibãs têm ótimas razões para seguir lutando.

Apesar de muito cedo ficar claro que os Anos Bush seriam de guerra, houve quem quisesse indicá-lo – junto com seu fiel companheiro Tony Blair – ao Nobel da Paz. Logo ficou claro, contudo, que EUA e Inglaterra estava se preparando para o passo seguinte: tomar Bagdá. Chegar até lá custou uma montanha de mentiras, resumidas com competência por Craig Unger, da Vanity Fair. Apenas um ano antes, não sabíamos que Sérgio Vieira de Mello ia deixar seu cargo de Comissário para Direitos Humanos da ONU, para o qual acabava de ser nomeado, para morrer de forma estúpida em Bagdá, algo contado em detalhes por Samantha Power na New Yorker (e também na Piauí). Anderson fez a melhor crônica da guerra iraquiana, em diversos despachos que foram retrabalhados posteriormente em seu livro A queda de Bagdá. Aqui vão primeiro, segundo, terceiro e quarto. Igualmente incontornável é a reportagem de Seymour Hersh, na mesma New Yorker, sobre como o governo americano incentivou seus soldados a agir de forma pouco ortodoxa em busca de informações.

Mesmo antes das invasões, se especulava que as guerras desse século seriam lutadas de outra forma. Os EUA já tinham posto em prática em diversos países, especialmente na Colômbia, um modelo privatizado de combate. O que não sabíamos é a que ponto tanta instabilidade ia encher os bolsos de meia dúzia de empresas, como mostra Michael Schnayerson nessa reportagem para a Vanity Fair.

Realmente, difícil acreditar que tudo isso aconteceu sob a batuta do azarão que deixa o cargo – se tudo der certo – em 77 dias.

3.11.08

Bola de gude



Pelas vizinhanças mexicanas.

1.11.08

Diga "ômmmm"



Nada estranho que festivais de cinema tenham números músicais na festa de abertura. Nada mais apropriado, portanto, que o 1º Festival Internacional de Cinema Budista da Cidade do México tenha essa estranha bandinha de monges galupa tibetanos.

Espero que os filmes tenham mais suingue.

31.10.08

Morris e sua amiga – a ilógica



Standard Operating Procedure ("procedimento operacional padrão") finalmente está entrando em cartaz no Brasil, o que dá mais uma chance ao público pátrio de conhecer o trabalho de Errol Morris, dos ótimos A tênue linha da morte e Sob a névoa da guerra. A idiossincrasia do trabalho de Morris foi se perdendo ao longo dos anos à medida que seu estilo foi sendo imitado e diluído – e também à medida que ele foi ganhando estrada e encontrando-se repetidas vezes com a incoerência.

É apenas irônico que isso ocorra (e Morris tem um aguçado olho para a ironia), já que sua obra é calcada exatamente nas incoerências e no peculiar que cada pessoa guarda. Morris busca em situações extraordinárias – um assassinato mal investigado, na pesquisa de lulas gigantes ou em um centro de torturas americano no Iraque – o desvio de lógica que é comum a todos nós. O desvio de que nunca conseguimos nos desviar, por assim dizer.

Mas esse post não é sobre o filme que está estreando agora, um estudo sobre como pessoas normais podem abraçar a crueldade de forma tão cotidiana, mas sim sobre o mais recente trabalho de Morris, que pode ser visto na íntegra acima. Se chama Pessoas no meio.

É uma campanha para o candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama. À primeira vista, não há nada demais: diversas pessoas à frente de um fundo branco contam porque, de indecisas, passaram a apoiar Obama. Os depoimentos são sintéticos, a edição que faz que uma frase complete a anterior é competente, a imagem é cuidada e as personagens são bem escolhidas, não só pelo que dizem mas pelo que parecem ser: gente comum. Nada disso, contudo, garantiria um trabalho de interesse artístico.

O que garante o interesse (ao menos o meu) nesse trabalho de Morris é o fato de que ele vai contra o conceito por trás da maioria de seus filmes: ele aposta na lógica, na argumentação racional. Mais que isso, ele julga que as pessoas são capazes de serem regidas pela razão.

Toda a sua filmografia é baseada nas incoerências, no oposto disso. O filme acaba apontando para as incoerências do próprio Morris. É um documentário de como seu autor sempre filmou um processo que é intrínseco a ele mesmo.

Não à toa, uma senhora numa jaqueta marrom, lá pelo final do vídeo, afirma que "todos sabemos, em nossos corações, que Obama é o melhor".

E se há alguma coisa que Morris afirma e reafirma ao longo da sua brilhante filmografia – de forma absolutamente consciente, o que é raro – é justo isso: o cérebro sabe muito pouco.

No site de Morris se pode ler um pouco sobre as pessoas que falam no spot. Na revista Believer, ele conversa sobre a loucura das pessoas com (logo quem) Werner Herzog. Numa entrevista em áudio à Salon, argumenta que não é razoável pedir que os carcereiros de Abu Ghraib se desculpem – e obriga o repórter de forma hilária a se desculpar por afirmar tal coisa. Em seu blog hospedado no New York Times ele faz uma curiosa retrospectiva de comerciais políticos desse corte e – na medida do impossível – se explica.

29.10.08

Caliente!


Mais fotos em Macorig Paolo

Sempre que comento com alguém como já estou cansado do frio mexicano o interlocutor se surpreende: "México? Frio?" Por obra e graça dos clichês, as pessoas vêem esse país todo como a foto acima: um grande deserto pontuado por cactos e castigado por um intenso sol, com uma orlinha cancúnesca que mais parece alguma Antilha.

Pois é. O México pode ser frio. Bem frio. Demonstra isso o fato de que todo mundo se veste em camadas aqui: camisa, suéter, jaqueta e às vezes até um sobretudo. E também que já nevou algumas vezes aqui na capital. Vai uma ilustração abaixo, uma foto em algum ponto da fronteira com o Arizona.


Mais no Snowboard Revolution

Para os defeños, ou seja, quem vive no Distrito Federal, não é raro ouvir que vão passar o fim de semana en tierra caliente. Ouvi o mesmo em Bogotá, outra cidade que surpreende todo mundo com seu frio e cinza londrinos. Agora, pelo jeito, parece que vem mais frio por aí e o governo teme que o binômio crise+frio mate alguns mexicanos.

Brrrr...

A prece diária do homem moderno

Ao que parece, os editores de jornal acordaram graciosos ontem. Provas?

Uma paulista:


E uma carioca:


Galera do Meia-hora: quando vai abrir uma vaga para ajudar a fazer a primeira página de vocês?

26.10.08

Parabéns aos perdedores

Difícil descrever o que o Rio acaba de fazer consigo mesmo. É quase como uma criança dando um tiro no pé com o revólver do pai. Preferiu eleger mais um político profissional de cabelo pastinha maquinado por uma campanha cara e, nesse ano, especialmente desonesta e por vezes violenta.

Paes teve o apoio de um PT federal que sempre meteu os pés pelas mãos no Rio e deu mais dinheiro para atacar Gabeira que para apoiar seu próprio candidato, Molon. De um PMDB que pretende resolver a segurança no Estado à bala. De aliados que têm milícias ou escravos. De candidatos derrotados no primeiro turno que decidiram perder a memória sobre o próprio passado ou nunca esqueceram que o objetivo é continuar por cima, seja como for.

Teve apoio – e isso é muito importante – da maioria dos cariocas. Que votaram mal de novo e se iludiram, de novo, com uma campanha promesseira. Os anos Garotinho ensinaram nada ou muito pouco. Teve apoio também dos que acharam razoável votar nulo numa eleição que caminha fechar a contagem com uma diferença de menos de 50 mil votos. Só de nulos foram mais de 200 mil.

Teve apoio, porque não dizer, do próprio Gabeira, que permaneceu um tanto elitista – alguém diria utópico, não sei se é o caso – em sua forma de agir. Achou que bastaria ser uma versão municipal de Obama, quando o Rio precisava de gana, de cojones, de alguém que quisesse muito vencer, propor em voz alta, catar voto no subúrbio não só porque isso era necessário para ganhar, mas porque é a parte da cidade que merece mais atenção mesmo. Gabeira afugentou muitos de seus eleitores-padrão com alianças de véspera de eleição que dificilmente se justificam. César Maia mostrou que tem incrível capital político para subtrair votos daqueles a quem apóia.

Gabeira perdeu, basicamente, porque queria governar um Rio que existe na sua cabeça. Ainda não existe a ponte entre o verdadeiro e este. Gabeira não soube que essa seria a primeira obra do seu governo. Mereceu perder tanto quanto Paes não merecia ganhar.

Com a vista nublada de coisas assessórias ou inventadas – tangas, baseados, sungas, inexperiências – os cariocas decidiram que um almofadinha que estudou Direito é mais administrador urbano que um homem que já viu e estudou boa parte das soluções que dezenas cidades no mundo todo deram para seus problemas.

Metade e mais pouco dos cariocas merece o que aconteceu hoje e o que vai se desdobrar pelos próximos quatro anos. Aos outros, uma minoria quase igual à maioria, restará reclamar, um esporte em que os nativos têm muita prática.

Parabéns aos perdedores.

21.10.08

Voltando ao Che

Anuncio aqui aos sete ventos: há uma mobilização do site MovieMobz em progresso. Nada menos que 36 pessoas já se puseram de acordo para ver Personal Che no Odeon BR, Rio de Janeiro. Seria genial que se conseguisse mobilizar o filme outra vez e ele voltasse às salas do Rio pelo voto democrático de internautas que gostam de cinema.

E como já faz tempo que não ponho vídeos aqui, volto a postar o trailer em português do filme. Na época do lançamento, a versão em inglês, completamente diferente, foi a que circulou mais. Não há qualquer razão pra que a anglofonia continue reinando em assunto tão latino – ainda que o filme seja falado em cantonês, árabe, inglês, alemão e espanhol. :-)




Aqui você vê o trailer em inglês.



E aqui, uma molecagem.

Bom sinal


Um dos cartazes rejeitados do filme. Che não parece distraído aí?

Hoje me tomou quarenta segundos até que eu desistisse de lembrar o que Che Guevara garantiu que se devia fazer "sin perder la ternura jamás".

Tive que ir ao google para lembrar o que era: "endurecerce", claro.

Levando-se em conta que é uma frase extremamente popular do nosso amigo argentino (mais de dez mil hits no google) e que eu passei quatro anos de minha vida pensando na vida desse cara ao menos uma vez ao dia por conta de Personal Che, isso pode querer duas coisas:

Ou finalmente estou saindo da minha chemania pessoal (milhares de fatos de quatro biografias memorizados, identificação imediata de qualquer efígie do homem em qualquer ambiente, entre outros sintomas) – algo, diga-se de passagem, extremamente saudável, já que a vida e os projetos continuam.

Ou lá vem o Alzheimer.

20.10.08

Blá, blá, blá

O site da Economist acaba de soltar uma interessante notinha com tabela em sua edição de hoje. Conta as frases e palavras dos dois candidatos à Casa Branca no último debate e as compara com os números dos pretendentes à vice-presidência e também dos candidatos à presidência americana em 2004 e 2000. (Se gráfico estiver pequeno demais, clique)



Pouco surpreendente, o eloqüente Obama sai na frente na média de palavras por frase: mais de 19. Menos surpreendente ainda, a rabeira no ranking é de Bush: entre 13 e 15. Surpresa sim está no despautério republicano chamado Sarah Palin, que venceu Obama tanto na média de palavras por frase quanto no número de frases. Um machista diria que mulher fala pelos cotovelos mesmo, e faria falta ver que contagem Hillary Clinton teria. Eu, que sou só um pouco machista graças à minha origem sergipo-alagoana, digo apenas que Sarah Palin fala pelos cotovelos. Leve em conta que os números são médias: um "yes, I did" equilibra um monólogo de quase um minuto com quase 60 palavras.

Mais importante: a contagem intui, mas não determina o tipo de discurso de um candidato. Você pode ter frases longas – e nos brasileiros isso é comum – em que o emissor faz digressões e remete você a outros assuntos, a histórias pessoais ou a anedotas (como acabo de fazer nesta frase de 29 palavras). Você, beletrista, pode adornar de bem-colocados e criativos adjetivos seu belo discurso para uma vasta platéia sedenta de retórica redentora (como fiz agora em 21 palavras). Você pode fazer listas virguladas contendo acusações, vitupérios, ilações, memórias, broncas, predicados, defeitos, tiques, traições e incoerências do adversário. (Palim aprovaria essa, de 19).

Ou você pode fazer propostas, como a idéia de que os números ajudam um pouco a entender como funciona a cabeça de um candidato, mas não definem nada sem um tanto de bom-senso – literário, até – para julgar o conteúdo do que se está ouvindo, quanto é sobrancelhas e gestos de mão e quanto é formado por conceitos concretos. Essa teve 59, e acho que sai mais ao estilo de Obama. E digo isso a despeito de todos os problemas e aliados que tem. Seria muito interessante trabalhar sobre as transcrições de nossos debates a prefeito e ver como os candidatos se saem.

Suponho que Gabeira seria nosso Obama – inclusive nos problemas e aliados – mas como saber?

18.10.08

Pauta

E o tratador dos elefantes do rei disse:

"Elefantes selvagens se comunicam por grandes distâncias usando infra-som. Para estimular esse comportamento no cativeiro, vamos estabelecer um link de áudio via internet com os elefantes de um zoológico na Alemanha. Assim, Bua e Saonoi vão ter a oportunidade de conversar com outros colegas. Espero que eles achem interessante e estimulante"

13.10.08

Pou!



Nem só de linho e seda vive o mundo da moda

(Publicada originalmente na Piauí 25)

Miguel Caballero já deu mais de 200 tiros em clientes e colabo-radores, quase sempre aos sábados, para não incomodar a vizinhança de Polanco, bairro chique da Cidade do México. É algo que o colombiano atarracado de 40 anos faz com certa naturalidade. Pega o seu trezoitão, carrega-o, encosta o cano niquelado e frio à altura da barriga da vítima, avisa que vai disparar quando disser "três" e puxa o gatilho lá pelo dois e meio. Muitas vezes, registra a cena em vídeo - são os próprios baleados que pedem. Com anos de prática, ele diz haver uma beleza na expressão da vítima após o disparo: uma cara que mistura doses iguais de "Será que morri?" com "Isso é um milagre". Caballero é talvez o mais refinado - e confiável - alfaiate de roupas blindadas do México.

Há muitas fábricas de colete à prova de bala, mas poucas que conjuguem elegância com a capacidade de parar um tirambaço. Como a blindagem de aramida é flexível, Caballero faz questão de dar ao cliente uma prova de que a indumentária funciona. Uma prova de fogo. "Mas não basta chegar aqui, sacar um maço de 4 mil dólares e dizer: 'Quero levar esse casaco nível três.' Não é assim que trabalhamos", ensina o alfaiate. Cada cliente tem o passado checado numa lista de procurados do país de origem e em outra do FBI. Só aí pode tomar o tiro em paz. As roupas são vendidas em três tipos de blindagem, que pesam de 1 a 3 quilos. A mais leve evita tiros de 38 e 9 milímetros, pistolas usadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. A proteção mediana é eficaz contra a Mini-Uzi, que caiu no gosto dos traficantes. E a roupa mais pesada resiste até a submetralhadora HK MP5, usada pelo Bope. Seria a indumentária ideal para o verão carioca?

"Dá uma sensação de poder, não dá?", pergunta ele enquanto o interlocutor se recupera do peteleco calibre 38 na barriga e do susto que imediatamente põe o corpo em estado de alerta. Não há um hematoma para contar a história, apenas uma sensação de calor, que logo se dissipa. "Isso que você está sentindo é apenas adrenalina", explica. Nossas primeiras jaquetas eram muito quentes, mas aprendemos a revesti-las com um forro que equilibra a temperatura. Não queremos que nossos clientes morram de tiro, e nem de calor."

Caballero ingressou na haute couture defensiva há dezesseis anos, época em que a taxa de seqüestro estava em alta na Colômbia. A idéia lhe surgira um pouco antes, quando era estudante de administração na Universidade dos Andes. Atento, reparara que seus colegas mais abastados preferiam ser escoltados a andar de colete, para evitar o desconforto (e a má aparência) em público. Teve um estalo: o que faltava não era blindagem. Era requinte.

Com a fábrica funcionando, o nome do alfaiate virou um must nas rodas sociais: uma jaqueta assinada por Caballero passou a ser peça obrigatória no guarda-roupa da elite antenada. E continuaria sendo caso Álvaro Uribe não tivesse sido eleito à presidência em 2002, impondo uma política linha-dura que acabou por diminuir a criminalidade. Com o nicho de mercado minguando, restou a opção de costurar para fora.

Da Colômbia, a Miguel Caballero Ltda., que se autodenomina especialista em "high security fashion", ganhou o mundo. Hoje, a grife tem filiais em sete países da América Latina. Do outro lado do oceano, África do Sul, Espanha, Itália, Áustria, Ucrânia e Reino Unido. Em Londres, o público-alvo (ou simplesmente "alvo") não é formado de ingleses, mas da nova safra de milionários russos e árabes, que marcam hora num discreto escritório da cadeia de lojas Harrods. No último ano, a empresa de Caballero faturou 9 milhões de dólares.

Como o alfaiate está onde o crime está, a atual menina dos seus olhos é mesmo a loja da Cidade do México, bem integrada a uma vizinhança de Diesel, Gucci, Prada, Hugo Boss e outras grifes do prêt-à-porter. Ainda que em números absolutos a criminalidade não tenha aumentado tanto para a população mais rica - gangues de traficantes têm mantido suas escaramuças nas periferias -, a percepção de insegurança vem batendo recordes a cada mês, e os seqüestros estão outra vez em alta. Caballero tem vendido roupa como pan caliente.

Por ora, ele investe nos desenhos tradicionais. A linha Black Collection traz camisas pólo, capas de chuva e jaquetas de couro com corte italiano. Já a linha Gold, menos sofisticada, reúne guayaberas, sobretudos e jaquetas de camurça. O plano para o futuro é abrir uma linha jovem, seguindo as últimas tendências da moda hip-hop. "Você tem idéia de quantos rappers comprariam?", pergunta. Hoje, a maior parte da clientela é formada por empresários e funcionários do governo. Há prefeitos, deputados, senadores, governadores e também presidentes na lista. Caballero se esquiva do assunto, comentando que certa vez "gente do palácio" veio reclamar que a informação vazou para a imprensa. Ainda assim, o recorte do jornal La Crónica de Hoy, criticando o presidente mexicano e seu ministério, continua orgulhosamente pendurado na parede: "Não nos protegem e ainda se blindam", diz a manchete.

Mais ao lado, estão as fotos dos poucos clientes oficiais: o presidente Álvaro Uribe, alguns prefeitos colombianos notórios no combate à violência, o príncipe Felipe, de Astúrias, o casal real da Jordânia e o ator anglo-esquimó Steven Segal. Na maioria das imagens, Caballero aparece ao lado deles. A lista, contudo, é maior, tirada a saca-rolhas do Armani da blindagem: o presidente -bonitão Rafael Correa, do Equador, tem um ou dois ternos; e sabe aquelas guayaberas vermelhas de manga comprida que o venezuelano Hugo Chávez usa de vez em quando? Pois é.

Num cabide próximo repousa outra guayabera, essa branca, muito similar à usada por Lula quando adota o estilo cucaracha. Corre o boato de que ela teria sido presenteada pelo hermano Chávez. O alfaiate desconversa, enrubesce, diz preferir tomar um tiro sem colete a confirmar a informação. Oferece um café, uma mudança de assunto e adianta que gostaria de abrir uma loja no Brasil, se não fosse pela burocracia excessiva do país.

Fiel à grife, Caballero não sai à rua sem sua jaqueta paramentada, capaz de parar sem problema um balaço de Colt 44. Medo de seqüestro, diz. Então ficou rico com os coletes à prova de balas? A seu lado, um assistente argentino ensaia um riso, e em seguida emudece, talvez lembrando que o homem à sua direita lhe deu um tiro quando decidiu contratá-lo.

10.10.08

Versões e mortes



Há quarenta e um anos, nesse mesmo dia, o cadáver de Che Guevara, morto na véspera, era mostrado para o mundo na lavanderia do Hospital Nuestro Senhor de Malta, na pequena cidade de Vallegrande, entre a planície e o altiplano boliviano. Hoje, como se vê acima, a lavanderia está coberta de rabiscos em homenagem ao homem mais famoso que já se deitou ali.

Há treze meses – antes, portanto, que todo mundo publicasse algo a respeito – a piauí publicou um texto meu sobre a morte de Che e os homens que a levaram a cabo. Um mês depois, já durante a febre, a revista Gatopardo, do México, publicou outra reportagem minha sobre o mesmo assunto.

São textos radicalmente diferentes entre si e também radicalmente diferentes das edições brutas que mandei a eles. Apenas para levar em conta o tamanho, o publicado pela Gatopardo é o menor de todos, seguido pelo publicado pela piauí; o bruto entregue à piauí é 50% maior que o publicado, e o bruto entregue à Gatopardo é de longe o maior: teve de ser cortado à metade para acolher as muitas fotos e caber na grade da revista.

O corte faz parte do jogo jornalístico e sem dúvida foram edições extremamente bem executadas pelos editores. Guardo com carinho até hoje todas as versões rabiscadas por Mario Sergio Conti e Dorrit Harazim, da piauí, atentos aos menores detalhes de todas as histórias tratadas no texto. As vinte e tantas páginas da minha versão definitiva da reportagem ocupariam, pelos meus cálculos, metade de uma piauí, o que é inteiramente ridículo. Isso sem mencionar que as pautas devem caber também na cabeça dos editores e eles, obviamente, não estão tão mobilizados pelo assunto quanto o repórter que, nesse caso, passou três anos e meio, ainda que sem saber, investigando a pauta. Quem era mesmo aquele mestre que dizia que o bom escritor escreve com a outra ponta do lápiz, a da borracha?

Aqui no blog, contudo, eu sou o editor e temos espaço à vontade. Portanto, acho mais do que saudável e – perdoem-me o desperdício de bits – interessante comparar todas. Então aqui está a última versão enviada para a piauí e a última versão enviada para a Gatopardo.

Quais são as maiores diferenças? Na piauí a matéria se move entre dois tempos: a época da morte e hoje. Meio de molecagem, deixei o que era mais antigo com verbos no presente e as coisas mais recentes no passado. A piauí foi mais responsável e me pediu que mudasse isso. O resultado é bom, mas para mim a conformação anterior é melhor – ainda que, no caminho, muitos erros, confusões e faltas de clareza tenham sido eliminados pela edição, melhorando bastante a reportagem. O ideal seria mesclar as duas edições.

No caso da Gatopardo, os cortes foram extensíssimos e algo da estrutura mudou com isso. Narro, por exemplo, o atentado perpetrado contra o homem que capturou Che, Gary Prado, em três partes. Entre elas, outros assuntos. Gera um certo suspense. Isso se perdeu na matéria final, embora ela tenha ficado muito – muito – mais ágil.

Uma coisa que as matérias da piauí quase não têm e as da Gatopardo têm é a discussão sobre quem mandou matar Che. É, como esse post, um jogo de versões. No bruto da Gatopardo há muito sobre isso e é quase definitivo sobre o provisório que se sabe hoje. Para quem tem interesse, é a fonte.

Por último, fotografar a matéria foi um desafio. Foi a primeira vez que realmente tive que pensar em como seriam as fotos de algo que ainda escreveria. Alguma coisa foi feita com material de arquivo (parte dele pesquisado por mim, inclusive), mas precisávamos de fotos atuais. Busquei refletir nelas um certo temor ou incômodo dos personagens em tratar do assunto. Abaixo seguem três delas. Na ordem, com patentes da época: Major Miguel Ayoroa, Comandante Gary Prado e um soldado raso que preferiu manter anonimato.





7.10.08

Furto

Comunico que a casa foi assaltada. Aliás, continua a ser assaltada. A situação só não é pior devido à burrice dos meliantes. Prova A:



As senhoritas na foto se recusaram a chegar perto da garrafa de mel por pelo menos um mês e meio. Estava em cima da mesa. Foi só mudar para outro lugar (na mesma mesa) e estava aberta a temporada de saque. Pus a dita garrafa no lugar antigo e, sem mais, as senhoritas desertaram do butim como se obedecessem a um aviso de "não estacione". Vai entender essas socialistas. Passemos ao segundo caso. Prova B, por favor:



O caso desses aí é outro: sujeitos desajeitados no trato com objetos maiores que uma noz ou uma avelã. Precisam de um intercâmbio urgente com micos (haverá micos no México?). Ao que parece, a espécie ainda está embasbacada com a laranjeira carregada no jardim e ainda não estabeleceu um método de coleta. Alguns agarram as laranjas e giram cuidadosamente em torno do caule até que o talo se solte. Outros agarram as mais maduras e as sacodem de um jeito quase obsceno. A taxa de sucesso é a mesma – mínima. Geralmente as laranjas escorregam pelas patas nervosas, caem no chão e os rapazes ficam olhando com sua perspicácia roedora. A turma do sacode às vezes cai junto com a fruta. Quase quebram as costas, mas ao menos tomam um pouco de suco.

6.10.08

Lello Arena


... ainda que falasse num dialeto estranho para os dali, o ator impressionou a todos na ilha com sua presença.

Livros


Há quem prefira as páginas, quem exiba as lombadas e quem escolha pelas capas. Brian Dettmer prefere essa estranha intimidade.

5.10.08

Mi crisis, su crisis


Centro de Comunicaciones Palmeras, Bejucos

Esse era o título que sugeri aos editores da Folha para a matéria sobre como a crise americana está afetando a economia do outro lado da fronteira, no México. Para fazer a reportagem, viajei a uma cidadezinha perdida na Sierra Madre chamada Bejucos. Poderia ser no Brasil: vida em torno da praça central, onde também fica a igreja e a delegacia. Praticamente só há mulheres, crianças e velhos na cidade. Os homens foram para cidades maiores, sejam elas no México ou nos EUA. Posto agora o primeiro parágrafo e depois os textos completos. Eles já estão disponíveis no site da Folha, só pra assinantes (clique em "próximo texto" para ler todos"):

"Griseldas Solís, 33, faz sua parte: penteia o cabelo para trás com esmero, aplica uma grossa camada de sombra cor-de-rosa nos olhos para combinar com a blusa e os brincos chamativos e se posta o dia inteiro à frente da Boutique MexUSA, numa das esquinas da praça central de Bejucos, cidadezinha de três mil habitantes na Sierra Madre mexicana. Não adianta: poucos aparecem para comprar as blusas decotadas e coloridas que acarpetam as paredes da loja. Não há dinheiro circulando na cidade. A culpada tem as mesmas cores das unhas azul-branco-escarlates de Griseldas: a crise econômica dos EUA, que está batendo duro nas remessas enviadas de volta para casa por imigrantes mexicanos legais e ilegais."
Na Folha, a foto que ilustra é a de Griseldas, mas aqui preferi pôr outra, de uma casa de câmbio onde se recebe dinheiro vindo dos EUA. No fundo, são fotos da mesma coisa: a espera. Mais fotos de Bejucos aqui.

Atualizando: a matéria como saiu na Folha está aqui.

3.10.08

Tutti buona gente


"Um coveiro fracassado?"

Acabo de voltar da Itália, mais especificamente da ilha de Salina, na Sicília, ali perto de Stromboli e do Etna, onde aconteceu o SalinaDocFest, festival de documentário narrativo organizada por Giovanna Taviani (filha, adivinhou, de um dos Irmãos Taviani, Vittorio). O lugar é o sonho de qualquer festivaleiro, não apenas pela ilha ser uma delícia, mas porque o festival apresenta um ótimo panorama da produção documental italiana – que, infelizmente, não chega muito aqui na América Latina. Personal Che, junto com a produção francesa Barcelona ou morrer dirigida pelo senegalês Idrissa Guiro, eram os únicos filmes não-italianos da mostra.

Um tanto por conta das predileções de Giovanna, mas também pelo fato de a Itália estar ligada ao Terceiro Mundo pelo Mediterrâneo, uma das tônicas do festival são os filmes sobre migrações e êxodos. O resultado são diversos filmes extremamente políticos e de denúncia. O vencedor unânime do festival, Como um homem sobre a terra, de Dagmawi Yimer, fala das prisões líbias em que migrantes etíopes a caminho da Itália são detidos, torturados e às vezes mortos – tudo graças a um rentável acordo entre Silvio Berlusconi e o coronel Muamar Khadaffi. O filme aliás, ganhou o prêmio Finesta sul Brasile e passará na Mostra de São Paulo desse ano.

Apesar do tom político do festival como um todo, preciso confessar que a proposta que mais me agradou – tem também o melhor personagem – foi a do documentário Pinuccio Lovero, sonho de uma morte de verão, dirigido por Pipo Mezzapesa (acima na foto, comigo e a produtora brasileira Beth Formaggini – Pipo é o bonitão). É a prova de que documentário é uma forma de fazer filmes e não um gênero. O gênero dessa pérola, não há dúvida, é a comédia. O filme conta a história de Pinuccio, que aos trinta e tantos decide largar seu emprego para trabalhar como coveiro. Seu grande problema: ninguém morre. O filme registra exatamente sua angustiadamente divertida espera por um cadáver.

O tom, já se pode perceber no trailer, é farsesco, e em nenhum momento o filme se arroga uma autenticidade simulada em planos longos e tempos mortos – algo coerente com a carreira de Mezzapesa, que até esse filme fez apenas ficção. Há um subtexto político? Em se tratando do país com o maior índice de gente na terceira idade, sim, sem dúvida. Mas a questão é só o pano de fundo para um personagem que, antes de mais nada, está ali representando apenas a si mesmo. Enquanto não passa no Brasil (se é que passa), aí vai o trailer.

1.10.08

Chegando cansado


Madri (eu acho)

Este documentarista declara para todos os fins que depois de uma van (40 minutos), um barco (duas horas, três paradas), um ônibus (duas horas), um vôo Catania-Roma (uma hora), um vôo Roma-Madri (duas horas e meia) e um Madri-Cidade do México (10 horas e meia) está relativamente cansado e não se responsabiliza pelas besteiras que falar hoje na primeira projeção de Personal Che durante o festival de documentários mexicano DocsDF. Agradeço a paciência do público pela dose extra de bobagens que certamente serão ditas sobre Che Guevara, América Latina, carisma, política e o século 21.

25.9.08

Metaturismo



Não sei se é a confirmação da velhice ou a influência de Guillermo Fadanelli, de quem acabo de ler um livro apropriadamente chamado Malacara, mas é a primeira vez que venho a Roma e, apenas três dias depois, já estou grato de ir embora. Por que? Simples: Roma se tornou uma cidade perfeita para ver... turistas.

Não há um único maldito lugar (estou exagerando; há, mas vamos adiante com esse argumento) em que se esteja a salvo deles. Eles, os turistas, como pulgas. Daí que observo o que há para se observar:

• Nossa economia vai realmente bem. Há brasileiros às pencas aqui. Quase todos de São Paulo ou do Sul.
• É interessante notar a diferença entre mochileiros de países desenvolvidos e os turistas latino-americanos que se hospedam nos albergues baratinhos. Enquanto que os europeus vivem aqui do lado e não gastam muito para vir, para os brasileiros, qualquer viagem à Europa é uma jornada de tempo e dinheiro. A consequência disso é que os filhos dos países desenvolvidos têm a aparência de mendigos e os brasileiros, de semilordes. Têm jeito não de quem se lança no mundo atrás de alguma coisa, mas de gente disciplinada, CDF, que guardou dinheiro comportadamente até conseguir o suficiente. Nada surpreendente, mas melancólico que só.
• A “gente di Roma” é um ton sur ton que vai do preto nigeriano até o amarelo chinês, passando pelo marrom paquistanês. Te servem café, sorvete, pizza, canolli e se servem, também fazem. Suponho que os romanos foram para a Grécia, como é desejo há muito tempo. (observo: nada contra nigerianos, pakis e chinas; apenas apontando o dado demográfico; na verdade é das poucas coisas que restam de interessante na cidade; são os únicos estrangeiros suportáveis)
• Agora não são só os japoneses que vêem o mundo através de suas câmeras. Ninguém mais anda passeando. Todos, aplicados, com cara de dever de casa. Os adaptadores para tomadas daqui, diferentes, acabaram em todas as lojas da cidade (é mentira, mas também é verdade). Ninguém vê os lugares, apenas põe na frente da câmera digital. É incrível a insatisfação das pessoas quando entram na Capela Sistina e são informados de que não podem tirar fotos, mesmo sem flash. Se a eletricidade acabasse, acho que todos iam embora (anote essa, Berlusca).
• Turista de pacote sempre foi assim: um ou uma coroa elegante na frente falando o que se está vendo e gente mais velha de calça curta e meia comprida (branca) seguindo. Agora há inovações: eles têm anteninhas com números de referência para evitar que um cordeiro se perca a outro rebanho. Além disso, os prisioneiros do número 2290, 4368 e 237 já dispõe de auriculares privados. O ou a coroa da frente vai cochichando em tom agradável o que está sendo visto. Acabou-se aquela diversão tão urbana de pegar carona na visita guiada do alheio. Isso contribui para a ignorância, aviso: consegui saber muito pouco sobre os Tintoretos na Pinacoteca do Vaticano.



Resumindo: os romanos não agüentam mais os turistas (essa novidade tem uns 300 anos) e eu tampouco. Minha proposta: mandem às favas os 10% do PIB que ganham com essa gente e fechem a cidade como Fernando de Noronha. Já tem um muro cercando o principal, é só pôr metralhadoras e gente com pouco critério e paciência nas portas. Levando em conta que vi em diversas lojinhas cuecas samba-canção estampadas com a cara do Mussolini, haverá muita gente disposta ao ofício. Entram 50 estrangeiros de cada vez. Dane-se o Tratado de Shengen. Com a cidade vazia, o silêncio volta, e a solenidade que é a pedra dos monumentos volta a existir. Do contrário, vote Nero para prefeito.




*PS: A primeira foto do post é da Fontana de Trevi. Só me ocorre dizer: “Anita, cadê você?”

Casas provisórias



Alessandro Downtown, Roma. 23 euros com café ruim e mochileiros fedorentos grátis.