19.8.09

Aos visitantes

Atenção: aí vem um daqueles posts culpados-mas-espertos, em que o blogueiro admite que não está tendo tempo de atualizar o blog, muito trabalho, etc, etc, mas se sai com uma piadinha que mantém o interesse do visitante circunstancial. Você já leu em outros lugares.

Agora acaba de ler aqui.

Em tempo: As matérias publicadas por aí e eventuais notícias de Personal Che continuam, ok?

18.8.09

Os com-jaleco

Hippie colombiano anda alinhado



(Essa esquina foi publicada originalmente na piauí 35 e é assinada em compadrio com a cidadã paulisto-bogotana Camila Moraes)

Numa recente terça-feira nublada, Alejandro - um hippie colombiano que acha meio insólito "isso de dar o sobrenome" (e por isso não dá) - estava sentado na calçada diante da matéria-prima de seu labor: contas, miçangas, palhinhas. Foi quando apareceu um colega seu aflito, sacudindo um jornal (gratuito, como convém) no ar.

Uma das manchetes espalhou apreensão naquele canto de praça em que a década de 60 parecia imortal: "Hippies terão uniforme." "O que essa mulher vai fazer a gente usar?", pensou o colombiano do alto dos seus suspeitos, mas declarados, 42 anos de idade. (Suas rugas remetem mais à quadra dos 60, ainda que a disposição geral seja de uns trinta e poucos.)

A mulher é Blanca Inés Durán, engenheira concursada que desde o ano passado se tornou subprefeita de Chapinero, algo como a Rive Gauche ou o East Side de Bogotá: o bairro dos boêmios e artistas, talvez um dos quarteirões mais tolerantes de toda a Colômbia.

O espanto dos alternativos é que Blanca sempre foi considerada "um deles". Não necessariamente "deles", os hippies, mas "deles", os diferentes. Ali estava, afinal, uma lésbica militante que só aceitara disputar o cargo ao saber que dois ou três candidatos conservadores queriam fechar os diversos bares gays da região. Os mesmos bares - ela própria conta - onde afogara as mágoas do fim de seu primeiro casamento com uma mulher.

A surpresa com o viés autoritário da medida não se restringiu à turma da miçanga. A imprensa colombiana fez troça da iniciativa, anunciando a distribuição de escovas e tubos de laquê num novo programa, "Hippie Limpo e Bem Penteado".

Quando a poeira baixou, vieram à tona os principais pontos da medida. Se a palavra "uniforme" havia causado choques apopléticos nos cabeludos, foi quase fatal a notícia de que seriam obrigados a portar um "carnê". Para domar a ansiedade, muito se fumou, e de tudo. Teriam eles de pagar mensalidade para trabalhar na rua? Não, o carnê se tornaria apenas uma espécie de carteira de identidade. Pela qual teriam de pagar? Também não.

Durou pouco o alívio. O pessoal logo se deu conta de que portar identificação equivaleria a uma sentença de morte para quem vive do comércio de badulaques e outras mercadorias nem sempre aprovadas pelo Ministério da Saúde.

Com o sociologuês tinindo, Blanca explica: "A idéia é que só os participantes dos nossos projetos de reinserção econômica recebam os carnês. O que queremos é justamente que as pessoas encontrem projetos produtivos e deixem sua situação de rua."

Como a frase não parece significar nada, é o caso de perguntar coisas mais concretas. E a história dos uniformes? "Não se trata exatamente de uniformes, mas de jalecos. Precisamos identificar quem tem carnê e quem não tem, compreende?" Durante quanto tempo os sem-jaleco ainda poderão vender na rua? "Em pouco mais de um ano todos os ambulantes estarão uniformizados. Vamos fazer batidas frequentes para garantir que isso seja cumprido." Ou seja: quem estiver na rua por falta de opção poderá contar com os programas do governo. Quem estiver por opção, que vá atrás de outras praças para exercer o desbunde.

Um projeto que mexe com a identidade dos hippies metendo-os em uniformes - vá lá, jalecos - não poderia ter chegado em momento mais crítico, justo quando eles próprios nutrem dúvidas sobre quem exatamente são.

"Não existe isso de ser hippie e ponto. Tem vários tipos: hippie ermitão, hippie andarilho, hippie caminhante...", explica Alejandro. Qual seria a diferença entre esses dois últimos? "Bom, o andarilho passa a vida andando, mas não faz nada. Já o caminhante é artesão, se movimenta, vende suas coisas num lado e no outro. Eu já fui hippie andarilho. Hoje acho que sou caminhante, um artesão comum e nada mais." Ele fala com os olhos meio perdidos na fumaça. Seu corpo traz tatuagens desbotadas e o cabelo está preso por uma faixa apache.

Ao lado de Alejo está Rodolfo, outro que também não declina o sobrenome. Como trabalha com figuras de arame, pode-se supor que seja hippie caminhante. Essa história de jaleco e carnê o deixou muito desgostoso. Está ponderando se não seria hora de correr mundo de novo, como fez outras vezes. Já viveu na Europa, de país em país, vendendo pulseirinha de palha por 8 euros. Voltou "bem de vida", se deu até ao luxo de trazer para a Colômbia uma cadelinha cocker - "Lindinha", ele diz.

Seu rumo agora deve ser outro: Venezuela. "Dizem que lá o Chávez apóia os vendedores de rua. Parece que dá até mesada", comenta, torcendo com um alicate as pétalas de arame de uma flor. A revolução bolivariana está prestes a virar odara.

"Hippie tem que viver nas comunidades, senão, não é hippie. Sabe Woodstock? Pois é, ser hippie é aquilo", Alejo sintetiza. "Ter liberdade, fazer amor sem preocupação, ficar pelado num rio..." Donde a consternação geral: ficar pelado em rio é muito difícil de jaleco. A subprefeita Blanca Inés Durán não está compreendendo esse lado.

Distribuição alternativa

(publicado na piauí 35)

Pedro - se é que ele se chama Pedro - já lançou dezenas de filmes brasileiros no mercado. Graças a ele, seja no Japão, no Canadá, na Romênia ou no Tocantins, cinéfilos tiveram acesso a uma enorme variedade de obras, desde comédias da pornochanchada a documentários papo cabeça vistos por uma meia dúzia de gatos pingados. Ainda assim, Pedro não é famoso; a imprensa especializada ignora seu trabalho. Até onde se sabe, ele não compareceu (porque nem o convidaram) à posse da nova diretoria da Agência Nacional do Cinema, um beija-mão que reuniu o "quem é alguém" do ramo, em junho.

Produtores ciosos, auteurs soberbos, distribuidores neurastênicos, tremei! Neste exato momento, Pedr1nho - com o número 1 no lugar do i - pode estar jogando suas obras na internet, para gáudio dos internautas sedentos por filmes nacionais gratuitos. Pedr1nho é provavelmente - difícil ter certeza, dado que a classe pirata não tem sindicato - o maior fornecedor de audiovisual brasileiro não contabilizável na rede.

O fruto de seu esforço pode ser visto nos principais sites de compartilhamento gratuito de arquivos, como o The Pirate Bay, o Mininova e o Demonoid, que escapam da perseguição aos infratores de direitos autorais materializando-se a cada par de meses em novo servidor, com frequência sediado em outro país.

Pedro faz questão de não ser confundido com um camelô que vende dvds arrasa-quarteirão hollywoodianos, -shows de pagode e música sertaneja. Ele tem, com o perdão da palavra, uma griffe. O freguês que recorre aos seus serviços sabe exatamente que nicho ele explora: filme nacional. É pegar ou largar. No catálogo há também documentários de surfe, shows de rock e animações legendadas. (Pedro não quis explicar se é surfista ou tem filhos.)

A carreira de pirata desse administrador de empresas de trinta e poucos anos começou em 2004, quando ele pôs na rede o arquivo de Dois Perdidos numa Noite Suja, filme de José Joffily baseado na peça homônima de Plínio Marcos. Pouco mais de 40 mil espectadores pagaram ingresso para ver a fita no cinema, resultado considerado modesto. "Eu achava que ninguém ia se interessar, mas acabou que muita gente baixou e começou a me pedir para lançar outras coisas do Brasil", ele conta. "A partir daí, não parei mais."

A sacada foi incluir as palavras "Brazilian Cinema" no nome do arquivo. Assim, para assistir a um filme brasileiro, não é preciso buscar nenhum título específico. Basta digitar as duas palavras no Google e acrescentar a palavra torrent, nome de um tipo de sistema que permite compartilhar qualquer conteúdo com Deus e o mundo. Em frações de segundo, uma variada videoteca da produção brasileira pós-retomada se abre diante dos olhos do cinéfilo deslumbrado. O que se vê são páginas e mais páginas que oferecem, por exemplo, Feliz Natal, de Selton Mello, Doutores da Alegria, de Mara Mourão, O Aborto dos Outros, de Carla Gallo, Querô, de Carlos Cortez, Cão sem Dono, de Beto Brant, e Baixio das Bestas, de Claudio Assis.

Pedr1nho já contrabandeou mais de 150 filmes para a rede. A oferta pode ser bem direcionada, mas a clientela é heterogênea. Há o grupo dos que reclamam do preço de um dvd. Outros vivem no interior, em cidades onde a oferta de filmes nacionais nas salas de exibição é especialmente anêmica. Um terceiro grupo, numeroso e especialmente agradecido, se compõe de brasileiros que moram no exterior e dependem da web para ver filmes nacionais. E há, por fim, um número significativo de estrangeiros que se interessam pela produção brazileira. "Um pessoal da Bulgária já me escreveu algumas vezes, dizendo que montaram uma 'Brazilian night' em Sófia com os filmes que eu pus na rede", se empolga o bucaneiro. "Eles baixam as legendas em inglês e traduzem para o búlgaro. Dizem que é um sucesso." É mais do que Celso Amorim já fez pelas relações Brasil-Bulgária.

Em 2005, Pedr1nho se juntou a nomes agora totêmicos do "udigrúdi internético" do país - gente que se escondia atrás de apelidos esdrúxulos como 614uc0, ToToH ou huricane_brazil - para fundar o Compartilhando, um dos primeiros sites brasileiros a oferecer de graça arquivos não só de filmes, mas também de videogames, músicas e livros. O site foi de vento em popa durante dois anos, até a Polícia Federal avisar ao huricane_brazil virtual que sua versão de carne e osso podia acabar na cadeia, caso ele insistisse na pirataria a torto e a direito.

O fato de ter a polícia no calcanhar não quer dizer que piratas como -Pedr1nho não tenham um código de ética, ainda que peculiar. "Outro dia caiu na minha mão uma cópia do l.a.p.a", o documentário de Cavi Borges e Emílio Domingos sobre o mundo do hip-hop no Rio de Janeiro. "Não copiei", diz ele. É que os produtores estão tentando distribuir o filme pelas comunidades pobres do Rio, e Pedr1nho, como Robin Hood, não gosta de tirar o pão de quem tem poucos recursos.

Exemplo contrário é o filme Estômago, de Marcos Jorge. Pedr1nho ficou orgulhoso em pirateá-lo. "Um baita filme, cara. E foi muito mal explorado comercialmente no Brasil. Eu quase não consegui ver. Se o diretor lançasse na rede e as pessoas pudessem pagar o que quisessem para assistir, eu não teria pirateado", diz ele, propondo um business model alternativo para o cinema nacional. É esse o modelo adotado, por exemplo, pela banda inglesa Radiohead para distribuir seu disco In Rainbows. "O Estômago tinha que ter representado a gente no Oscar, em vez daquele filme horroroso, o Última Parada 174."

Pedr1nho garante que não se vê como um justiceiro audiovisual, mas, como ates-ta sua opinião sobre L.A.P.A. e Última -Parada, há um juízo moral, estético, econômico - político, na verdade -, que o faz decidir se vai ou não gastar as onze horas necessárias para transferir um dvd para a rede. "Eu já coloquei de tudo. Agora, só o que gosto." Ele cita um exemplo: "Pirateei Irma Vap: o Retorno." O filme, dirigido por Carla Camurati, não mereceu uma recepção particularmente festiva, nem por parte do público, nem por parte da crítica. "Hoje em dia eu jamais lançaria isso", diz Pedr1nho. No Brasil, todo mundo é crítico de cinema. Até os piratas.