7.12.11

Sobre o nosso cérebro e as imagens no cinema, na TV e na ilha de edição

Isso adiante é um rascunho – e também uma defesa acabada do rascunho para a arte em geral. Fala de tipos diferentes de processos cerebrais – rápidos e animais, lentos e "humanos". Talvez seja útil ler um detalhamento desses processos aqui para entender melhor a que me refiro. Monte o que falta do ensaio em sua cabeça.

Como os filmes eram editados antigamente? Ora, em pequenas telas mal iluminadas de moviola em que a película passava. Uma imagem de baixíssima resolução que pedia a cada fotograma que os primeiros espectadores – diretor e montador – nunca saíssem do que se pode chamar do modo de abstração. O que quero dizer com isso? Que o fosso entre a recepção primeira e a final, a tela de cinema, era coberto pela imaginação, pela abstração dos realizadores. Como se a todo momento tivessem que, de forma bastante consciente, imaginar como aqueles fotogramas fugidios apareceriam gloriosos, enormes, coloridos, numa enorme sala escura.

O mesmo nos primeiros tempos da televisão. A "tela" do editor era a vitrine do switcher. Ou seja, ele via o espetáculo sem recorte, com muito mais cor que qualquer pessoa em sua sala de televisão. Via de regra, ele não era a pessoa que operava os cortes, gritava instruções. Havia também aí um salto no vazio. Ele devia imaginar como aquilo que acontecia no estúdio – um telejornal, uma novela, um jogo de futebol – apareceria num televisor de tubo, primeiro em preto e branco e depois em cores. Estamos falando de edições ao vivo, que hoje em dia são menos frequentes: noticiosos, eventos esportivos, poucas novelas.

Qual é a questão que decorre disso, hoje? Toda essa bagagem, gerada dessa forma cheia de saltos, imaginações, fabulações visuais, efeitos apenas imaginados, aferidos a posteriori quando se via seus resultados na sala escura, lembrados de outros filmes-influência e mimetizados, foi herdada e é retrabalhada todos os dias em sistemas onde é possível – não estou dizendo que aconteça sempre – esquecer que existe um fosso, a necessidade de um pulo. No momento de serem editadas as imagens de hoje, quase todas elas parecem televisão em qualidade final.

Há diferenças, claro. Uma ilha de edição típica tem menos distrações que uma sala de estar típica e um pouco mais que uma sala de cinema típica. Mas o princípio se mantém. Mas, correndo o risco da generalização: podemos nos enganar que aquilo que estamos vendo é uma imagem final. Longas metragens ou telejornais, e muito mais, são vistos pela primeira vez em algo que lembra em muito, por suas dimensões, cores etc, uma televisão.

Ter na cabeça uma imagem final tem consequências e é bom (na mesma medida que mais e mais difícil) ser consciente delas: podemos ver os cortes com precisão e além disso, somos cada vez mais educados visualmente em sistemas onde podemos ver os cortes de outros filmes com precisão, e quantas vezes quisermos. Começamos a aprender como é feito, em vez de como nos afeta.

O que quero dizer é que quanto mais precisos nos tornamos, menos erramos e menos inventamos também. Quanto menos consciente nos tornamos dos saltos – porque a "imagem de controle" já é bastante bonita e tem cara de final – menos nos damos conta do processo, menos imaginação investimos nele, menos atenção damos a como seu resultado pode afetar o público final. É muito fácil imitar um corte dos melhores montadores, seu estilo de raccord, seu sotaque, sua gramática. É quase impossível obter o efeito de suas montagens no público. É muito fácil achar que o público reagirá àquela imagem da mesma maneira que nós reagimos a ela na ilha de edição. É muito fácil pensar que aquela é a imagem do filme, e não um estágio apenas. É muito mais difícil, hoje, estar consciente de que estou numa ilha de edição; como isso aparecerá num cinema, num celular, numa TV?

O processo, creio, é muito mais inconsciente, recorre muito mais a processos cerebrais de tipo 1, rápidos e "animais", e muito menos a de tipo 2: abstração e julgamento, que são atividades conscientes lentas, mais evoluídas do nosso cérebro e às quais ele tenta, sempre que possível, não recorrer, porque consomem muita energia. Mas não à toa foi esse tipo de processo lento que deu ao homem coisas únicas dele.

Arte, por exemplo.