Decisão da Suprema Corte esta semana não é garantia de fim para a maratona de contestações judiciais entre Bush e Gore
(Publicada originalmente no JB)
A indecisão americana acabou nos tribunais e o impasse será decidido com dezenas de recursos, ações judiciais e a lábia de dois times de advogados pagos a peso de ouro. Quem quer que seja o vencedor da disputa pela Casa Branca, será também herdeiro de uma possível crise constitucional e governará durante quatro anos num Congresso dividido ao meio.
''Há a possibilidade de crise se os deputados estaduais republicanos da Flórida optarem por desconsiderar a decisão da Corte e nomearem os delegados que representarão os 25 votos do estado no Colégio Eleitoral com base em seus poderes legislativos'', afirma Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale. ''Se eles insistirem nisso, a crise pode ser realmente séria'', diz ele.
Para que a opção dos deputados republicanos ponha a Constituição em xeque, basta que outros dois fatores coincidam: uma decisão do Supremo da Flórida a favor da recontagem manual no estado e que a recontagem não termine até a data da escolha, 12 de dezembro. Estariam de um lado o poder legislativo (a Câmara) e do outro o judiciário (a Corte da Flórida), ambos amparados pela Constituição, explica John Norton, cientista político da Universidade de Lebanom Valley.
Tropeços - A decisão de aceitar os 25 votos republicanos pode acabar no Congresso, e mesmo lá não estará imune a problemas. Se apenas um membro do Congresso não concordar com a situação, haverá uma votação. Os republicanos têm maioria estreita, e uma decisão a favor de seu candidato arruinaria a representatividade de George Bush, que já não tem a maioria dos votos populares. Se em todo caso o Senado não chegar a uma maioria, caberia ao próprio Al Gore, como vice-presidente, desempatar a questão a seu favor ou de Bush. As implicações institucionais são óbvias. ''Fui chamado para opinar sobre o assunto na Câmara de Deputados da Flórida. Argumentei que seria um gesto altamente ilegal e perigoso. Este é o foco do problema'', garante Ackerman.
Os dois especialistas entrevistados pelo JB discordam, contudo, sobre a importância da decisão da Suprema Corte Federal. ''Se a Corte der ganho de causa a Bush, não haverá recontagem e Gore reconhecerá a derrota dias depois. Se decidir por Gore e houver mesmo uma recontagem onde ele vença, creio que Bush evitará a crise e reconhecerá a derrota'', afirma Ackerman. ''A palavra da Suprema Corte, na terça ou quarta, será o vai-ou-racha da eleição''. Já Norton aposta numa decisão mais modesta. ''Será realmente um veredicto técnico, sobre se a Corte da Flórida poderia ter ordenado a primeira recontagem. Teria influência política e na opinião pública, mas não acho que decida a eleição'', afirma.
Surpresas - De qualquer forma, há dezenas de outras ações, impetradas por eleitores, com uma variedade de alegações - fraude, contagens erradas, discriminação. Elas poderiam surpreender os republicanos a qualquer momento, garante Ackerman.
Nesse cenário de confusão judicial, legal, eleitoral, constitucional, entre outras, o caminho do presidente será provavelmente tão acidentado quanto a estrada que o leva à Casa Branca. Bush teria contra ele um Congresso em que os republicanos têm estreitíssima maioria - um deputado e um senador a mais que os democratas. Quase tudo que Bush fizer terá de ser com o endosso democrata, e não é difícil prever que o presidente republicano será lembrado quando necessário de que não foi eleito com a maioria do voto popular.
Os próximos quatro anos, pertençam a Bush ou Gore, serão marcados por um governo de centro, sem projetos grandiosos e ideológicos, prevê o cientista político Benjamin Barber, da Universidade de Rutgers. ''O recado das urnas é claro: o americano quer alguém que, em última instância, não governe muito.''
A INFLUÊNCIA DAS PEQUENAS CAUSAS
Além das brigas judiciais entre democratas e republicanos, há outros processos, alguns deles abertos por eleitores, que podem virar o jogo a favor do candidato democrata Al Gore.
''O caso de Seminole é sério'', garante o professor Bruce Ackerman. Ele se refere a uma ação impetrada pelos democratas que pretende invalidar 15 mil votos desse condado da Flórida. A alegação é de que os republicanos teriam manipulado vários formulários de voto via correio a seu favor. Se vencerem essa ação, os democratas dão a Al Gore uma vantagem de mais de quatro mil votos, mais do que suficiente para fazer desaparecer a dianteira republicana de apenas 537 votos. ''A questão'', diz Ackerman, ''é se a decisão sai a tempo de influenciar o resultado final.
Pode se juntar à ação de Seminole o recurso de um eleitor do condado de Martin que afirma que cerca de dez mil cédulas continham irregularidades. Os republicanos tentam a todo custo evitar a junção das duas causas, extremamente similares, pois poderia se levantar a suspeita de uma ação orquestrada. Para piorar as coisas, o irmão de Bush, Jeb, é governador do estado.
Mas vem da terra natal de Bush a maior surpresa. Um juiz local decidirá esta semana se retira os 32 votos eleitorais que Bush tem no Texas. A alegação: seu vice, Dick Cheney, viveria no mesmo estado, o que seria proibido pela Constituição.
Cheney, que desde adulto vive e trabalha no Texas, se mudou às pressas para o Wyoming, onde nasceu, para concorrer como vice na chapa de Bush. Se perderem esse processo, os republicanos perdem a eleição.
3.12.00
Impasse nos EUA pode virar crise
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