31.10.08

Morris e sua amiga – a ilógica



Standard Operating Procedure ("procedimento operacional padrão") finalmente está entrando em cartaz no Brasil, o que dá mais uma chance ao público pátrio de conhecer o trabalho de Errol Morris, dos ótimos A tênue linha da morte e Sob a névoa da guerra. A idiossincrasia do trabalho de Morris foi se perdendo ao longo dos anos à medida que seu estilo foi sendo imitado e diluído – e também à medida que ele foi ganhando estrada e encontrando-se repetidas vezes com a incoerência.

É apenas irônico que isso ocorra (e Morris tem um aguçado olho para a ironia), já que sua obra é calcada exatamente nas incoerências e no peculiar que cada pessoa guarda. Morris busca em situações extraordinárias – um assassinato mal investigado, na pesquisa de lulas gigantes ou em um centro de torturas americano no Iraque – o desvio de lógica que é comum a todos nós. O desvio de que nunca conseguimos nos desviar, por assim dizer.

Mas esse post não é sobre o filme que está estreando agora, um estudo sobre como pessoas normais podem abraçar a crueldade de forma tão cotidiana, mas sim sobre o mais recente trabalho de Morris, que pode ser visto na íntegra acima. Se chama Pessoas no meio.

É uma campanha para o candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama. À primeira vista, não há nada demais: diversas pessoas à frente de um fundo branco contam porque, de indecisas, passaram a apoiar Obama. Os depoimentos são sintéticos, a edição que faz que uma frase complete a anterior é competente, a imagem é cuidada e as personagens são bem escolhidas, não só pelo que dizem mas pelo que parecem ser: gente comum. Nada disso, contudo, garantiria um trabalho de interesse artístico.

O que garante o interesse (ao menos o meu) nesse trabalho de Morris é o fato de que ele vai contra o conceito por trás da maioria de seus filmes: ele aposta na lógica, na argumentação racional. Mais que isso, ele julga que as pessoas são capazes de serem regidas pela razão.

Toda a sua filmografia é baseada nas incoerências, no oposto disso. O filme acaba apontando para as incoerências do próprio Morris. É um documentário de como seu autor sempre filmou um processo que é intrínseco a ele mesmo.

Não à toa, uma senhora numa jaqueta marrom, lá pelo final do vídeo, afirma que "todos sabemos, em nossos corações, que Obama é o melhor".

E se há alguma coisa que Morris afirma e reafirma ao longo da sua brilhante filmografia – de forma absolutamente consciente, o que é raro – é justo isso: o cérebro sabe muito pouco.

No site de Morris se pode ler um pouco sobre as pessoas que falam no spot. Na revista Believer, ele conversa sobre a loucura das pessoas com (logo quem) Werner Herzog. Numa entrevista em áudio à Salon, argumenta que não é razoável pedir que os carcereiros de Abu Ghraib se desculpem – e obriga o repórter de forma hilária a se desculpar por afirmar tal coisa. Em seu blog hospedado no New York Times ele faz uma curiosa retrospectiva de comerciais políticos desse corte e – na medida do impossível – se explica.

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