10.10.08

Versões e mortes



Há quarenta e um anos, nesse mesmo dia, o cadáver de Che Guevara, morto na véspera, era mostrado para o mundo na lavanderia do Hospital Nuestro Senhor de Malta, na pequena cidade de Vallegrande, entre a planície e o altiplano boliviano. Hoje, como se vê acima, a lavanderia está coberta de rabiscos em homenagem ao homem mais famoso que já se deitou ali.

Há treze meses – antes, portanto, que todo mundo publicasse algo a respeito – a piauí publicou um texto meu sobre a morte de Che e os homens que a levaram a cabo. Um mês depois, já durante a febre, a revista Gatopardo, do México, publicou outra reportagem minha sobre o mesmo assunto.

São textos radicalmente diferentes entre si e também radicalmente diferentes das edições brutas que mandei a eles. Apenas para levar em conta o tamanho, o publicado pela Gatopardo é o menor de todos, seguido pelo publicado pela piauí; o bruto entregue à piauí é 50% maior que o publicado, e o bruto entregue à Gatopardo é de longe o maior: teve de ser cortado à metade para acolher as muitas fotos e caber na grade da revista.

O corte faz parte do jogo jornalístico e sem dúvida foram edições extremamente bem executadas pelos editores. Guardo com carinho até hoje todas as versões rabiscadas por Mario Sergio Conti e Dorrit Harazim, da piauí, atentos aos menores detalhes de todas as histórias tratadas no texto. As vinte e tantas páginas da minha versão definitiva da reportagem ocupariam, pelos meus cálculos, metade de uma piauí, o que é inteiramente ridículo. Isso sem mencionar que as pautas devem caber também na cabeça dos editores e eles, obviamente, não estão tão mobilizados pelo assunto quanto o repórter que, nesse caso, passou três anos e meio, ainda que sem saber, investigando a pauta. Quem era mesmo aquele mestre que dizia que o bom escritor escreve com a outra ponta do lápiz, a da borracha?

Aqui no blog, contudo, eu sou o editor e temos espaço à vontade. Portanto, acho mais do que saudável e – perdoem-me o desperdício de bits – interessante comparar todas. Então aqui está a última versão enviada para a piauí e a última versão enviada para a Gatopardo.

Quais são as maiores diferenças? Na piauí a matéria se move entre dois tempos: a época da morte e hoje. Meio de molecagem, deixei o que era mais antigo com verbos no presente e as coisas mais recentes no passado. A piauí foi mais responsável e me pediu que mudasse isso. O resultado é bom, mas para mim a conformação anterior é melhor – ainda que, no caminho, muitos erros, confusões e faltas de clareza tenham sido eliminados pela edição, melhorando bastante a reportagem. O ideal seria mesclar as duas edições.

No caso da Gatopardo, os cortes foram extensíssimos e algo da estrutura mudou com isso. Narro, por exemplo, o atentado perpetrado contra o homem que capturou Che, Gary Prado, em três partes. Entre elas, outros assuntos. Gera um certo suspense. Isso se perdeu na matéria final, embora ela tenha ficado muito – muito – mais ágil.

Uma coisa que as matérias da piauí quase não têm e as da Gatopardo têm é a discussão sobre quem mandou matar Che. É, como esse post, um jogo de versões. No bruto da Gatopardo há muito sobre isso e é quase definitivo sobre o provisório que se sabe hoje. Para quem tem interesse, é a fonte.

Por último, fotografar a matéria foi um desafio. Foi a primeira vez que realmente tive que pensar em como seriam as fotos de algo que ainda escreveria. Alguma coisa foi feita com material de arquivo (parte dele pesquisado por mim, inclusive), mas precisávamos de fotos atuais. Busquei refletir nelas um certo temor ou incômodo dos personagens em tratar do assunto. Abaixo seguem três delas. Na ordem, com patentes da época: Major Miguel Ayoroa, Comandante Gary Prado e um soldado raso que preferiu manter anonimato.





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