© New Yorker
Tão importante quanto o (provável) começo de uma Era Obama na Casa Branca é o fim da Era Bush (esse, ainda bem, seguro). Nesses anos o mundo teve de se habituar a conviver com um vizinho forte e folgado. E a América teve de se habituar a ser desprezada não só por seus inimigos diretos, mas por quase todo o mundo.
Decidi aproveitar a oportunidade para escavar o pequeno baú desse blog, pôr online algumas reportagens que fiz ao longo desses anos (links simples) e adicionar alguns textos que acho fundamentais para entendê-los (links creditados). É uma retrospectiva de fundo de quintal, com tudo de parcial e pessoal que pode ter, tudo de bom e mau que isso acarreta.
Hoje é difícil lembrar, mas a eleição de 2000 era tida como algo desimportante. Ao contrário de hoje, o grande assunto não era o que faria esse ou aquele presidente, mas os defeitos do sistema eleitoral americano. É curioso ver como os entrevistados para essa matéria afirmam sem meias palavras que naquela eleição os americanos escolheram um presidente "de centro" e convocado a "governar pouco". Isso antes mesmo de se confirmar o resultado final. É curioso também ver como tudo parecia incerto naquele momento, um mês depois das eleições.
É igualmente interessante notar como Bush era um estranho ao establishment, um alien no sistema, uma mudança brusca da Era Clinton. Nossa visão sobre os americanos era diferente. A parvoíce de Bush ainda era vista como exceção e não regra. Nessa parcial, mas excelente matéria da Vanity Fair, Gail Sheely reconstrói a fabricação milimétrica do Bush propositalmente caubói/caipira.
Toda a conversa de "presidente desimportante" mudou, é claro, após os ataques de 11 de setembro, apenas alguns meses depois da posse. Era um sinal claro de que o anti-americanismo que ia se tornar regra nos anos seguintes já era professado por gente na frente de batalha, ex-aliados como Osama Bin Laden, um brilhante orador, ainda que, segundo alguns, estrategista de parcos resultados.
As especulações sobre o que seria a retaliação começaram minutos após o ataque às Torres Gêmeas. Naquela época, ainda se pensava se seria ao Afeganistão ou ao Iraque. Apenas depois percebemos que o plano era passar por cima do fato de que os bandos dos dois países não se bicavam e abrir duas frentes de batalha. A falta de lideranças alternativas e o excesso de candidatos ao trono eram patentes no Afeganistão. Já na época se questionava se não era melhor evitar a catástrofe humanitária que se seguiu e simplesmente "comprar" Bin Laden do regime talibã. A oferta que fizeram a Clinton, ao que tudo indica, ainda estava de pé na época da invasão, quando tive a sorte de conseguir a primeira confirmação oficial de que forças americanas e inglesas já estavam no país preparando clandestinamente a invasão. Na pressa de tantas análises e fatos, o furo acabou, justificadamente, passando despercebido.
Hoje o conflito se arrasta e o melhor retrato que conheço dele foi escrito por Jon Lee Anderson, da New Yorker. Aqui, ele fala dos problemas enfrentados pelo presidente do país, Hamid Karzai. Nessa reportagem, de como os talibãs têm ótimas razões para seguir lutando.
Apesar de muito cedo ficar claro que os Anos Bush seriam de guerra, houve quem quisesse indicá-lo – junto com seu fiel companheiro Tony Blair – ao Nobel da Paz. Logo ficou claro, contudo, que EUA e Inglaterra estava se preparando para o passo seguinte: tomar Bagdá. Chegar até lá custou uma montanha de mentiras, resumidas com competência por Craig Unger, da Vanity Fair. Apenas um ano antes, não sabíamos que Sérgio Vieira de Mello ia deixar seu cargo de Comissário para Direitos Humanos da ONU, para o qual acabava de ser nomeado, para morrer de forma estúpida em Bagdá, algo contado em detalhes por Samantha Power na New Yorker (e também na Piauí). Anderson fez a melhor crônica da guerra iraquiana, em diversos despachos que foram retrabalhados posteriormente em seu livro A queda de Bagdá. Aqui vão primeiro, segundo, terceiro e quarto. Igualmente incontornável é a reportagem de Seymour Hersh, na mesma New Yorker, sobre como o governo americano incentivou seus soldados a agir de forma pouco ortodoxa em busca de informações.
Mesmo antes das invasões, se especulava que as guerras desse século seriam lutadas de outra forma. Os EUA já tinham posto em prática em diversos países, especialmente na Colômbia, um modelo privatizado de combate. O que não sabíamos é a que ponto tanta instabilidade ia encher os bolsos de meia dúzia de empresas, como mostra Michael Schnayerson nessa reportagem para a Vanity Fair.
Realmente, difícil acreditar que tudo isso aconteceu sob a batuta do azarão que deixa o cargo – se tudo der certo – em 77 dias.
4.11.08
Adeus, caubói
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